A virada de jogo da Lari Gol: “Eu fico muito feliz por estar mostrando às meninas que elas podem estar onde elas quiserem”

A jogadora contou sobre as oportunidades após a repercussão do vídeo e os próximos passos na vida de atleta

Larissa Victoria Souza tem 10 anos e joga futebol desde os cinco anos de idade. A menina costumava brincar com a bola nas ruas do bairro onde mora, Vasco da Gama, na Zona Norte de Recife-PE. A vida de Lari Gol, como é conhecida, mudou após ela resolver gravar um desabafo sobre os preconceitos que sofria por ser menina e gostar de jogar futebol. O vídeo, inicialmente gravado para ser mandado no WhatsApp, foi publicado no Instagram e chegou a 1,7 milhão de visualizações. Mas o que mudou na vida da garota de apenas 10 anos que sonha em ser jogadora de futebol? Conversamos com Lari Gol e com sua técnica Fabya Santos, responsável pelos treinamentos da atleta. 

 A REPERCUSSÃO 

Larissa frequentava partidas de futebol com seu avô e por sempre acompanhar os jogos, falou para os pais que gostaria de ser jogadora de futebol. Os pais logo apoiaram a vontade da filha. Antes da repercussão do vídeo, a família de Lari procurou a técnica Fabya Santos para treinamentos individuais com a garota, que começou a treinar no Agrestina FC, escolinha de futebol society de Recife. A menina tímida do bairro do Vasco da Gama, só queria jogar futebol e sonhar com isso. 

Por sempre ouvir que futebol não é para menina, Lari resolveu gravar um vídeo como desabafo. Antes de postar, ela conta que estava com cerca de 150 seguidores e hoje tem mais de 100 mil. A jogadora não tinha intenção de viralizar e ficou surpresa com a repercussão. “Eu até estranhei. Porque eu tinha postado esse vídeo no WhatsApp e ele foi para o Instagram. Eu pensei que não ia bombar, era só para o pessoal daqui mesmo ver. Eu fiquei muito feliz, meus pais ficaram muito felizes, porque com esse tanto de seguidores e pessoas vendo a gente, temos mais oportunidades de conhecer lugares, de treinar e jogar mais bola. Não sei como explicar, mas eu gostei muito”, conta entusiasmada. 

Além disso, devido à quantidade de visualizações do vídeo, Lari pode falar com jogadoras que admira, e agora ela e a família estão se organizando melhor para seguir no caminho do futebol. “Marta falou comigo, e eu gostaria que falasse um dia. Eu achei que mudou muito aqui em casa também, porque a gente está se reunindo muito agora para fazer as coisas bem e do jeito que tem que fazer”, explica. 

Larigol - Agosto 2020 - por Fernanda Acioly_47
Foto: Fernanda Acioly / @fernandaciolyfotoesportes / www.fernandacioly.com

NOVAS OPORTUNIDADES 

Com tamanha repercussão, o vídeo possibilitou também novas oportunidades para Lari. A atleta recebeu convite de diversas escolinhas da região para treinar, mas está avaliando com a treinadora quais são viáveis. A escolinha do Inter de Milão em Recife foi uma das que enviaram o convite, ela conta que recebeu a proposta através de uma ligação direto da Itália. Diante de tantos convites, a treinadora Fabya explica que elas estão considerando todas as possibilidades. “Inicialmente tive uma conversa com a família e com Lari. Ela tem maturidade, apesar de apenas 10 anos, a gente conversa bem francamente. O planejamento em relação a Lari, enquanto iniciante, é torná-la uma atleta. Porém é um planejamento longo e que a gente pretende ter grandes êxitos. E no momento certo ela ser sim destinada a um espaço onde tenha mais oportunidade e mais visibilidade”, completa. Fabya passou a ajudar diretamente na organização da rotina e dos compromissos de Lari à pedido dos pais da garota. 

A pequena promessa de Recife também está tendo possibilidades de parcerias com marcas e empresas que apoiam o esporte feminino. A empresa MRV possui um projeto chamado “Elas Transformam”, que tem o objetivo de fomentar o esporte e enaltecer a importância da presença feminina nesse espaço. Nos últimos meses, a companhia selecionou 12 atletas mulheres que estão competindo por vagas nas Olimpíadas de Tóquio para serem patrocinadas por 24 meses. Ao saber da história de Lari, a empresa resolveu oferecer também a garota essa oportunidade de dois anos auxiliando na formação da atleta. 

Segundo a treinadora, a imagem de Lari está sendo cotada para ser utilizada em peças publicitárias de algumas empresas. “A partir de agora ela está tendo oportunidade de várias formas. A gente está com o maior cuidado e cautela em relação a essas escolhas. É uma grande felicidade, porém de muito cuidado”, ressalta. 

REALIDADE DO FUTEBOL FEMININO NO ESTADO

Fabya conta que na região não existem muitas possibilidades para a iniciação e base do futebol, muito menos para o treinamento de meninas. A treinadora tem um projeto de iniciação de meninos de 6 a 11 anos e oferece treinamento de society para meninas. A ideia, segundo ela, é oferecer também treinos de iniciação para meninas até chegarem às bases dos clubes. “A gente começa na rua, sem direcionamento algum. Quando a gente começa um direcionamento a gente perdeu muito tempo. Então, minha preocupação hoje é iniciar essas meninas para que não percam muito tempo e quando chegar à iniciação final, elas entrem na base preparadas”, explica. 

Como não existe o Campeonato Pernambucano das categorias de base somente no feminino, a treinadora disputa essa e outras competições masculinas de society com times mistos. Ano passado houve apenas uma competição organizada pela Federação de Society de Recife, foi quando o time feminino de Fabya participou do torneio, mesmo com os outros times sendo na maioria masculinos, conta a treinadora. Ela relata também que alguns colégios da região oferecem espaço para a modalidade e oportunizam que as meninas participem de competições regionais e estaduais.  

Segundo Fabya, existe uma captação pequena de meninas na região porque ainda há diversos fatores na sociedade que influenciam no olhar que a modalidade recebe, seja por meio dos pais das meninas ou até mesmo nas escolas. “A partir do momento que eu tiver um espaço, que seja seguro e profissional, que possa estar norteando de uma maneira especializada e a gente consiga ter essa demanda, a ideia é começar essa iniciação”, menciona. A treinadora explica que, pela dificuldade na captação de atletas, os treinamentos são feitos com atletas com diferença de 2 a 3 anos.

Os principais clubes de Pernambuco, Sport, Náutico e Santa Cruz, também não possuem times femininos de base consolidados. Como o Sport está na primeira divisão do Campeonato Brasileiro, o clube tem a obrigatoriedade de ter uma equipe feminina e existe a possibilidade do clube iniciar o Sub-17, mas ainda nada divulgado. A equipe principal feminina disputa atualmente a Série A2 do Brasileiro, mas o investimento ainda é pequeno diante das possibilidades do clube. O Náutico, assim como o Sport, tem um projeto de futebol feminino do próprio clube e disputa também a Série A2. O Santa Cruz conta com parcerias que utilizam o escudo do clube para participar de competições femininas, mas ainda não coordena e financia um projeto próprio. Apesar dos três times disputarem o Campeonato Pernambucano Feminino, ainda falta investimento na modalidade, principalmente nas categorias de base, que nenhum possui atualmente.

Foto: Fernanda Acioly / @fernandaciolyfotoesportes / www.fernandacioly.com

PRÓXIMOS PASSOS 

Durante a pandemia, a Lari seguiu treinando online com a ajuda da professora. Mas a jogadora não se adaptou muito aos treinos online e migrou seu treinamento para um campinho aberto em frente à sua casa, com todos os cuidados necessários. Nesta semana, ela volta aos treinos na escola de society e na escolinha de futsal da comunidade, onde é a única menina do projeto. Segundo a treinadora, alguns compromissos foram alterados devido à proporção que o vídeo tomou. Mas o próximo passo é organizar a rotina e os treinamentos.

Com ídolos como Marta e Messi, Lari segue no caminho para se tornar uma atleta profissional e demonstra maturidade ao falar do sonho. “Acho que dentro do futebol, [o sonho] é conhecer vários jogadores e jogadoras e ganhar dinheiro para ajudar pessoas na rua, aquelas que precisam. Eu gosto de jogar futebol porque é bom e também por saber que eu posso ganhar um dinheiro e ajudar as pessoas”, afirma. 

A treinadora se sente orgulhosa do crescimento pessoal de Lari e fala da representatividade da garota. “Estamos vivendo um tempo em que as pessoas estão precisando dessas atitudes e dessa representatividade. Lari se tornou, a partir do vídeo, uma pessoa representante. Não só das meninas da idade dela, mas da possibilidade da gente ecoar nossa modalidade.” E completa. “Se ela não chegar aonde ela quer, que é na seleção brasileira, ela vai ser uma grande mulher e vai continuar inspirando outras pessoas. Ela vai ter o lugar dela, seja na seleção, na empresa, em um escritório ou numa quadra. Eu acho que esse é o maior legado para mim enquanto educadora.” 

Mesmo com pouca idade, Lari sabe o que deseja no futuro, mas também entende as responsabilidades da vida de uma atleta que pode ser inspiração para outras meninas. “Eu me sinto muito feliz, mas ao mesmo tempo normal. Porque se eu tive essa oportunidade de ser conhecida no Instagram, eu não vou mudar meu jeito só porque tenho esse tanto de seguidores. Eu fico muito feliz por estar mostrando às meninas que elas podem estar onde elas quiserem e que elas nunca desistam, como eu nunca pretendo desistir”, conclui.

Jornalista. Do campo, quadra e areia, encontrei no jornalismo a junção de duas paixões, o esporte e a comunicação. No Fut das Minas, a missão mais importante: escrever sobre o protagonismo das mulheres no futebol e no mundo. Comentarista às vezes. Palpiteira sempre.
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