Irmãs gêmeas se dividem entre as rotinas profissionais e a presidência de uma equipe de elite do futebol feminino
É comum associarmos Brasília à política, por ser basicamente a capital federal do nosso país e sediar o executivo, o legislativo e o judiciário, chamando a atenção do público dia-a-dia. Mas é ali pertinho, em uma das regiões administrativas do Distrito Federal, que a história de Nayara e Nayeri Albuquerque toma forma e vai influenciar o cenário nacional em outro campo: o do futebol feminino.
Foi em Brazlandia, cidade interiorana de pouco mais de 50 mil habitantes, que as gêmeas Albuquerque começaram sua trajetória no futebol. “A gente sempre foi adepta ao esporte. A gente sempre brinca que jogava bola desde a barriga da nossa mãe, brincando de um dois lá. A gente nunca teve interesse de brincar de boneca e essas coisas. O que a gente queria era jogar bola”´, conta Nayeri. Vindas de família grande, elas jogaram com seus primos até encontrarem a primeira oportunidade no futebol. Foi na escola que puderam provar que futebol é sim coisa para mulher e como jogavam juntas, a equipe ficou conhecida como “time das gêmeas”. A partir de então, quando se tratava das irmãs e do futebol, não havia mais separação.
O sucesso nos jogos escolares fez com que surgisse o convite para integrarem o time do Acessa, tradicional equipe do futsal feminino de Brasília. “Desde então, começamos a jogar nesse time de futsal, a gente sempre estava lá, treinando, se dedicando, jogando”, explica Nayeri. O destaque dentro e fora das quadras fez com que fossem chamadas para atuarem, dessa vez, nos campos de futebol brasilienses.
Fase jogadeiras
Em meados de 2009 para 2010, o CRESSPOM, atual maior campeão do “Candangão” com 7 títulos, convidou as gêmeas para disputarem o campeonato estadual. “Nessa competição, como a gente teve muito destaque, inclusive eu (Nayeri) fui uma das artilheiras, foi até aquele campeonato que eu falo que eu fiz o gol mais rápido do Brasiliense com 18 segundos. O ASCOOP, que era um time até conhecido no cenário nacional da época porque já tinha disputado a Copa do Brasil, chamou a gente pra participar desse time.”
Mas o retorno da equipe não foi o esperado, tanto dentro, como fora de campo. “A gente jogou muito, teve oportunidade, mas a gente sempre teve esse lado de liderança, de gestoras. Na época do ASCOOP, teve um determinado momento que Nayara parou de jogar, por conta do trabalho, porque a gente estudava, trabalhava e treinava, a gente fazia as três coisas ao mesmo tempo. Era uma luta diária, mas a gente sempre teve esse dom do empreendedorismo”. As irmãs relatam que até conseguiram um patrocínio para o time, mas que o clube não dava importância que elas esperavam à modalidade. Como tinham facilidade com a parte financeira e de captação de recursos, juntaram isso ao sonho de ter um time próprio. “Foi quando nós nos reunimos em 2012 e colocamos em prática esse nosso sonho”, relata Nayeri.
O início do Minas
Apesar do constante contato com o futebol, as gêmeas não deixaram de se dedicar à vida acadêmica. Nayara é formada em contabilidade e atua na área, além de se dedicar ao Minas Brasília. Nayeri é formada em direito e hoje se dedica integralmente ao time. Assim, montaram um planejamento de gestão, com divisão de cargos e tarefas para que enfim surgisse o Minas Brasília de futebol feminino.
No início, lá em 2012, as atletas integrantes da equipe eram aquelas mais conhecidas pelas gêmeas e que, inclusive, haviam sido companheiras de quadra no futsal. Nayara e Nayeri deixam muito claro o quanto o projeto sempre incentivou meninas mais novas e da região de Brasília a ingressarem no mundo do futebol feminino.
Um exemplo disso é a meio-campo Victória Albuquerque, atual jogadora do Corinthians. Victória é natural de Brasília e começou no Minas aos 14 anos. O destaque pela equipe a fez ser convocada para a Seleção Feminina de base na época.
As presidentes da equipe de Brasília relatam preocupação com a educação e buscam oferecer oportunidades às atletas que abraçam a causa do Minas Brasília. Por isso, propuseram uma parceria com o Centro Universitário ICESP.
“A gente montou o projeto e ficou uma semana solicitando reunião com a diretoria. Ficávamos das sete da manhã às dez da noite esperando sermos atendidas. Quando a gente conseguiu mostrar, eles ficaram interessados e o ICESP acreditou no projeto” descreve Nayeri.
Além da faculdade, as gêmeas foram buscar o apoio do Minas Brasília Tênis Clube, outro parceiro que foi fundamental para o surgimento e crescimento do time de futebol feminino que hoje elas presidem. É lá que ocorrem os treinamentos da equipe, enquanto não fica pronto o Centro de Treinamento (CT) do clube, outra conquista que Nayara e Nayeri buscam. “É sair de um patamar e entrar em outro bem maior. O Minas Brasília Tênis Clube é um clube social. Com o nosso CT próprio, teremos 100% de autonomia do espaço, poderíamos até mandar os jogos. Traz mais credibilidade para o projeto e confiança, principalmente em relação à base”.
Mesmo com poucos anos, o Minas já apresentava resultados expressivos na modalidade. O clube foi campeão do campeonato estadual de Brasília, o “Candangão”, com apenas quatro anos de existência, no ano de 2016. Com a conquista, a equipe garantiu vaga para a Copa do Brasil do ano seguinte.
Balde de água fria
Porém, mal sabiam elas que a Copa do Brasil feminina não aconteceria em 2017 e sobraria para Nayara e Nayeri darem a notícia para suas atletas. Nayeri conta que foi um momento muito difícil porque as meninas criaram grande expectativa para o torneio, mas não as deixaram desanimar. “A gente sempre foi um projeto lutador. Não vamos agora desistir. Vamos agora em busca do título em 2017 para a gente conseguir a vaga do Brasileiro”, falaram para as atletas na época.
Em 2017, o time foi bicampeão do Campeonato Brasiliense e conquistou a vaga para a disputa da Série A2 do Brasileirão de 2018, já em seu formato atual. Nayara e Nayeri contam que a conquista dessa vaga foi uma escola para todos os departamentos. Em 2018, na primeira disputa nacional do time, que contava com elenco integral de meninas de Brasília, o resultado foi novamente o lugar mais alto do pódio. Com a conquista, garantiram vaga na Série A1 do Brasileirão e seguem na competição atualmente.
Virada no jogo
Hoje, o Minas Brasília conta com meninas que vêm de fora do estado, devidamente assalariadas, com um time realmente profissional. Mas as presidentes fazem questão de enfatizar a importância do trabalho da base, pois acreditam que a Série A1 reflete nas categorias de base. Atualmente, contam com 60 meninas da base, todas de Brasília.
Não há como contar a história do Minas Brasília sem contar a história de Nayara e Nayeri. Sem ter em mente que cada passo dado e cada conquista tem corpo e alma das gêmeas que, lá em 2012, resolveram ir atrás de seus sonhos e hoje têm o único clube de Brasília que é destaque no cenário nacional, entre homens e mulheres.
Outro diferencial das irmãs Albuquerque é que elas construíram o time por puro amor à modalidade e pela missão de ajudar outras pessoas que tinham os mesmos sonhos que os delas. No ano em que decidiram colocar em prática o projeto, não haviam as atuais determinações da FIFA e da Conmebol que exigem o fomento de um time de futebol feminino para que o masculino participe de suas competições. Ou seja, o Minas Brasília surgiu por vontade própria de duas irmãs que queriam fomentar a modalidade.
“Não é todo mundo que faz o que a gente faz. Por isso é muito fácil as pessoas ficarem alavancando clubes grandes, de camisa, e a gente fica chateada porque ás vezes esquecem de um projeto 100% feminino. Deixam de lado e ficam fomentando, querendo dar visibilidade para clubes que já têm estrutura, que já conseguem viver com suas próprias pernas. Mas e os clubes de projetos como o nosso, que são realmente 100% da modalidade? Acho que deveríamos ter mais valorização, mais respeito e poderiam executar na CBF um projeto pra ajudar esses clubes que vêm 100% da modalidade”.
Quando questionadas sobre o motivo de não desistirem, as gêmeas não hesitam em afirmar que a chave é a perseverança.
“Nós somos bem persistentes, vou ser sincera. Em vários momentos, até nos dias de hoje, dá vontade de desistir. Pra você cuidar de um time, ser presidente de um time, é muita coisa. Só quem tá mesmo vivenciando sabe de perto o que a gente passa. A gente já teve muitas humilhações, já passamos por muita coisa, mas eu acho que é Deus que fez a gente persistir na nossa missão. De ajudar as pessoas. Pelas atletas.”
Hoje, Nayara e Nayeri têm a consciência do quão importante elas são na vida de centenas de meninas que já passaram e que ainda vão passar pelo Minas Brasília. Não só importância no cenário estadual. Elas são importantes também para o desenvolvimento e a história do futebol feminino no país. “Querendo ou não, para a gente manter um projeto desses é muito difícil. Não é só conseguir um campo para treinar. Tem água, tem material esportivo, tem o custo de alimentação, tem salário de atleta, tem uniforme (…). A gente já pensou em desistir. Aí a gente olhava no grupo e via as meninas ‘ah essa menina aqui depende da gente’. A gente não pode desistir”, completam.