Por: Amanda Porfirio
Li essa frase recentemente em alguma postagem nas redes sociais: “a gente cobra de quem a gente acredita que é capaz”. Decidi destacá-la para abrir este texto, porque ela tem muito a ver com o que vou trazer aqui,
Nesta última sexta-feira (2), o técnico da seleção brasileira, Arthur Elias, abriu a coletiva de imprensa do pré-jogo contra a França com um desabafo sobre as críticas que a equipe vem “sofrendo” da imprensa.
Para além de questionar as críticas argumentando com dados e defendendo sua própria ideia de jogo, como geralmente acontece nessas situações, o técnico decidiu apontar nomes de comentaristas, mulheres, do grupo Globo e UOL, que expuseram sua análise e opinião tanto nas transmissões, como nas redes sociais.
Arthur, categoricamente, criou um cenário de “nós contra elas”, como se a imprensa, ilustrada pelas jornalistas que ele citou, torcesse contra o Brasil. E diante disso, eu ressalto: a gente cobra, de quem a gente acredita.
Afinal, sabemos o potencial da nossa seleção e das nossas jogadoras. Já conseguimos, diante de tantos anos acompanhando o desenvolvimento deste grupo, entender o nível de jogo e competitividade que somos capazes de entregar para as nossas adversárias. Então, seria errado questionar a proposta de jogo? A postura em campo? O sistema tático? Não baseados em “achismos” ou opiniões levianas, mas em estatísticas, números, dados.
Será que é absurdo demais questionar como uma seleção que, segundo o próprio Arthur, seria mais vertical, mais agressiva e mais ofensiva, mantém uma média de quatro finalizações ao gol por jogo nas Olimpíadas de Paris? Não seria justo esperar mais do Brasil?
E mais, não é esse o papel da imprensa esportiva? Questionar modelos de jogo? fazer suas análises e opinar também sobre como poderia ser feito ou funcionar melhor, de acordo com o próprio conhecimento e o histórico do que já foi visto na seleção?
Assistindo essa postura do Arthur, que acompanho desde os primórdios dos seus anos comandando a equipe feminina do Corinthians, me pergunto: o que ele esperava?
Mas além disso, me surpreende negativamente essa postura negacionista e, de certa forma, com um tom de prepotência diante das profissionais que trabalham há anos cobrindo essa modalidade. E aproveito para deixar um ponto curioso: nenhum jornalista homem foi citado pelo técnico. E não é preciso muito para encontrar diversas críticas à seleção em tom similar, tanto nas redes, como nos veículos esportivos.
Encarando a própria incoerência
Também gostaria de trazer aqui pontos incoerentes nessa trajetória de mais de dez meses do técnico Arthur Elias à frente do Brasil. Assim que chegou, o técnico disse na coletiva de apresentação: “Aqui vocês não vão mais escutar que tem alguma seleção mais preparada que a seleção brasileira. Da minha boca não vão escutar e espero que não saia de ninguém mais aqui do grupo da seleção.”
Já respondendo sobre a derrota diante da Seleção espanhola, o técnico respondeu que: “É a melhor seleção do mundo, está em outro patamar”. Antes desse mesmo jogo diante das espanholas, o Arthur disse que: “Quem joga por um empate, está mais perto da derrota”, e que o Brasil iria jogar para vencer.
Ainda falando sobre a postura na partida, ele disse que o plano de jogo estava sendo bem executado no primeiro tempo, que era um empate em zero a zero, onde o Brasil não conseguiu chegar ao gol. Ainda mais, Arthur se mostrou satisfeito com uma derrota por 2 a 0, como se fosse um resultado “melhor” do que o esperado.
Após a derrota contra o Japão, quando foi criticado pela ex-jogadora dos EUA e comentarista Heather O’Reilly, por sua ausência no campo apoiando e conversando com as jogadoras, tendo a Marta assumido o papel e falando no centro do círculo com grupo, ele respondeu dizendo que naturalmente a Marta era uma liderança na equipe e não via nenhum problema em deixá-la assumir essa posição, destacando que dava liberdade a ela para isso. Já nessa mesma coletiva de terça-feira, disse que era o líder da equipe e assumia o papel de monitorar as redes sociais para “proteger” as atletas.
Trouxe acima alguns acontecimentos mais recentes, e que estão mais frescos na nossa memória, para que seja possível entender que, se o próprio técnico entra em contradição sobre a sua postura e objetivos dentro da competição, não nos caberia questionar o porquê?
Cobrança das atletas
E para fechar este texto longo e difícil, queria expressar outro ponto que achei desonesto nas palavras do técnico. Na coletiva, Arthur sugeriu, que pelas críticas, as jornalistas não estariam reconhecendo o esforço das atletas, e citou Antônia, que saiu lesionada no último jogo como um exemplo.
E não, Arthur. Não é justo tentar manchar uma história de respeito, de fortalecimento e de apoio às atletas e a seleção, simplesmente porque chegam as críticas por um lance ou outro, por um resultado ou outro, por uma postura ou outra. Afinal, há críticas até quando a equipe vence. Não é o resultado, mas sim, novamente, o que esperamos ver dentro da capacidade de cada atleta.
E conhecendo o esporte de alto nível, posso garantir que elas também se cobram e sabem o que podem alcançar. Então, novamente, não desenhe como vilania algo que faz parte do nosso trabalho. Cobrar das nossas atletas o melhor que elas podem fazer e pontuá-las com críticas construtivas quando elas não fazem, é torcer a favor e não contra.
Por fim, da minha humilde posição de profissional que cobre essa modalidade, espero que possamos ser melhores, não apenas dentro de campo, mas também fora dele. Que o que a seleção brasileira construiu nos últimos anos, de forma consolidada, possa evoluir ainda mais.
E claro, estaremos aqui, sempre reportando, acompanhando e cobrando. Porque “a gente cobra de quem a gente acredita que é capaz”.
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