#Orgulho – Mariana Dantas e Letícia Izidoro falam sobre o relacionamento e as causas de movimentos: “A luta não tem que ser só nossa”

Por: Amanda Porfirio

No mundo inteiro, hoje celebra-se o Dia do Orgulho LGBTI+, uma data que começou em 1970, e simboliza um marco importante para o movimento. No Futebol Feminino, outra data também foi essencial para a visibilidade das atletas que se  identificam com a causa. Em 5 de julho de 2015, a atacante estadunidense Abby Wanbach comemorou o título da Copa do Mundo beijando a sua esposa, que estava na arquibancada. A foto viralizou e despertou discussões que não eram feitas dentro da modalidade na época, e que se estendem até os dias atuais. 

Mariana Dantas, atacante do Flamengo, tem um relacionamento estável com Letícia Izidoro, goleira do Corinthians. Se dentro de campo as duas são rivais, fora dele as trocas de carinho e afeto, além da convivência, são exemplo para diversas mulheres e atletas que ainda temem em assumir sua orientação sexual. Seja por medo de rejeição, ou até mesmo por temer a perda de contratos profissionais. 

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Atacante Abby Wanbach beijando esposa na arquibancada, comemorando mais um título norte-americano na Copa do Mundo em 2015. – Foto: Chris Nicoll/Reuters

Tanto para Mariana como para Letícia, o ato da norte-americana Abby Wanbach, naquele fatídico 7 de julho, tornou-se um divisor de águas dentro do Futebol Feminino.

“Aquele momento deu um estalo. Quando eu vi aquela cena, pensei: por que eu não posso fazer isso? porque preciso me esconder?” (Mari Dantas)

Juntas há quase sete anos, as duas afirmam não ter problemas em manter público um relacionamento homoafetivo entre o meio familiar e profissional. “Hoje tá um pouco mais tranquilo do que antes. Muitos casais passam por dificuldades dentro de casa, mas nossas famílias são bem tranquilas em relação a isso”, descreve Letícia. 

Para Mariana, dentro do futebol as coisas têm mudado bastante nos últimos anos. Porém, ela confessa que já sentiu receio em assumir sua orientação publicamente. “Desde que comecei a jogar eu tinha que esconder a minha sexualidade. Eu não passei por nenhum episódio explícito de preconceito, mas sabia que isso tá enraizado nas pessoas. Daí eu tinha que esconder, até por medo de perder patrocinadores”.

Em relação à esse assunto nos bastidores do Futebol Feminino, as duas concordam que o preconceito ficou para trás. “Lá no Corinthians é tudo muito tranquilo, a cobrança é só por resultado e uma conduta correta e profissional”, explica Letícia. 

Já Mariana atribui à representatividade de outras jogadoras de grande nome como um fator que somou bastante para chegar ao cenário de hoje. “A própria Cristiane é um exemplo disso. Ela inspirou bastante meninas aqui no Brasil. Foi uma das primeiras no país a assumir seu relacionamento e começar a publicar nas redes sociais”. 

Homofobia nas torcidas

Em 13 de junho de 2019, o Superior Tribunal Federal (STF) criminalizou os atos de homofobia e transfobia. Apesar da decisão ter demorado muito tempo para acontecer, foi considerada uma grande vitória para o movimento LGBTI+. Em 20 de agosto de 2019, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), passou a punir equipes cujos torcedores emitissem gritos homofóbicos em meio aos jogos.

Sobre a decisão, ambas concordam que foi positiva, e lamentam a necessidade de virar lei. “Infelizmente tem que colocar uma lei para fazer cumprir algo absurdo, que é não xingar ou ofender as pessoas. O esporte é algo que traz alegria, vai totalmente contra isso de xingar alguém, afirma Letícia. 

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Dantas exibe bandeira do Orgulho LGBTI+ após conquista de título do Campeonato Mineiro em 2019. – Foto: Mina Joga

No ano passado, em uma partida do Brasileiro Feminino A2, Mariana que atuava pela equipe mineira na época, presenciou ofensas vindo da torcida contra sua companheira de equipe, Aline Rosa. “Gritavam da arquibancada pra ela se comportar que nem mulher, porque tinha o cabelo curto e parecia um homem. Aquilo me deixou revoltada! Mesmo não sendo com a gente, doi né?”, lamenta. 

O início de um sonho

Mariana e Letícia se conheceram através de uma amiga em comum, que na época, jogava no mesmo time que a craque do Flamengo. “A Tita me contou que a Letícia ficava me elogiando, falando: ah, sua amiga é bonita. Mas na época eu namorava, então não tínhamos contato”, explica. Um tempo depois o relacionamento da Mariana acabou, e foi aí que surgiu a oportunidade da Letícia entrar com “o time em campo”. 

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Letícia e Mariana curtindo um pouquinho das férias. – Foto: Arquivo pessoal

A amiga (cupido) deu uma mãozinha e marcou uma festa em pleno carnaval, convidando as duas para se conhecerem pessoalmente. “Nos encontramos na festa e depois começamos a conversar pelas redes sociais”, conta Mariana. 

Apesar de existir o consenso de que a Letícia é a tímida da relação, a primeira atitude da goleira surpreendeu. “Marcamos para ficar pela primeira vez, e a Letícia simplesmente me pediu em namoro com direito a aliança e tudo. Você acredita?”, questiona Mariana. 

Em sua defesa, a estrela corinthiana disse que precisava apostar alto. “Eu tinha uma chance e precisava aproveitar. Tanto que deu certo até hoje, né?”, consente. 

Deu tudo certo!

Apesar do susto da aliança no início do relacionamento, o plano da Letícia deu tão certo, que o objeto símbolo da união do casal ganhou um upgrade. As duas ficaram noivas em fevereiro deste ano (mês de carnaval, por coincidência) e pretendem casar em um futuro breve. “A gente tem que dar esse passo a frente, né? Já estamos noivas, e apesar de eu ter perdido várias alianças durante todo esse tempo, essa tá aqui, bem conservada na mão direita”, afirma Mariana. 

Se no início do relacionamento o pedido de namoro foi no “susto”, a proposta de noivado também teve seus imprevistos. “Eu levei ela duas vezes em um lugar especial para fazer o pedido, mas acabei esquecendo a aliança. Então, desisti e fiz em casa mesmo. Enfeitei a casa e deu certo”, conta Letícia. 

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Decoração da Letícia para pedido de noivado – Foto: Mari Dantas | Reprodução redes sociais

Entre alianças e carnavais, Mariana e Letícia são um bom exemplo do orgulho em poder ser livre e amar sem julgamentos. E sobre a luta de movimentos por mais respeito e direitos, elas dão o recado. “A luta não tem que ser só nossa. Não é porque você não sofre por isso que você não deve lutar por isso. Precisamos lutar juntos!” 

Jornalista e Profissional de Educação Física. Pernambucana, bairrista por natureza, vivendo a máxima Gonzaguista: “Minha vida é andar por esse país”. Apaixonada por futebol desde que respira. Atualmente vive em São Paulo, e tem como sonho ajudar a conduzir o futebol feminino ao topo. Fora das quatro linhas, gosta de ler, pedalar, explorar a natureza e é obcecada pela ideia de estar sempre criando algo novo.