Com dupla nacionalidade, japonesa de família brasileira joga futebol no Japão e fala sobre sonho: “ser profissional”

Kaori Yamazaki, camisa 20 do Tsukuba FC | Foto: Arquivo Pessoal

“Determinação, dignidade, não fuja de si mesmo, confie”. O trecho da música ‘It’s important’, composta por Toshiyuki Tachikawa e gravada pela banda japonesa Daijiman Brothers, é o mantra de Kaori Yamazaki, de 24 anos, funcionária do departamento de vendas em uma distribuidora de brinquedos e jogadora de futebol em Tsukuba, província de Ibaraki, no Japão.

“Eu chorei quando ouvi essa música porque é muito adequada para a situação que estou enfrentando agora”, escreveu a jogadora em um post na internet, referindo-se às dificuldades de acesso ao futebol profissional.

Kaori Yamazaki

Filha de mãe brasileira e pai japonês, Kaori nasceu em Higashimatsuyama, cidade de 90 mil habitantes localizada a 74 km de Tóquio. A paixão pelo futebol surgiu ainda na infância, durante a segunda série do ensino fundamental. De lá a cá, passou por sete times, entre eles, Higashimatsuyama PELENIA, Omiya FC Angels, Fujieda Junshin High School, Daito Bunka e o University.

Em março de 2019, Kaori se mudou para Düsseldorf, na Alemanha, e passou a defender o Borussia Mönchengladbach, pela 3ª Divisão da Bundesliga Feminina Alemã. Segundo a jogadora, a temporada tem duas estações: a de verão, de agosto a dezembro, e a de inverno, de fevereiro a maio. As férias podem durar até dois meses, folgas comumente usadas pelas atletas para retorno às cidades de origem. Já o futebol feminino do país, referência mundial da modalidade, exige, conforme definição da atleta, “ataque verticalmente rápido, além de força individual”.

Proibição na Alemanha

Assim como no Brasil, o futebol feminino também já foi impedido na Alemanha. Entre 1955 e 1970, a Federação Alemã de Futebol impediu o desenvolvimento da modalidade a partir da exclusão das mulheres dos gramados e subsequente interrupção da criação de departamentos de futebol feminino pelos clubes por não considerar a natureza do esporte feminina.

No Brasil, a proibição se deu por um decreto-lei, que completou 80 anos em 2021, iniciado em 1941, durante a era Vargas. A lei foi revogada em 1979 e a modalidade foi finalmente regulamentada apenas em 1983. Na terra de Lina Magull, jogadora do Bayern de Munique e ídola de Kaori, a rotina do futebol no país era dividida com o trabalho de meio período em um restaurante, no qual 80% dos funcionários também eram japoneses.

Pandemia dificultou sonho profissional

Um ano depois, em março de 2020, a pandemia de Covid-19 catapultou o decreto de lockdown no país, fechou lojas e determinou a paralisação do futebol. Com o visto próximo de vencer, optou pela volta ao Japão. O retorno, marcado por emoção, atrasou não só 8h do relógio de Kaori por causa da diferença de fuso horário, mas também planos e sonhos da jogadora, que planejava vir ao Brasil assim que deixasse a Alemanha.

“Estou sacrificando muitas coisas ao jogar futebol, mas não posso largar porque é mais divertido do que doloroso” (Kaori, à direita) Foto: Arquivo Pessoal

“Ela tem o nosso apoio, respeito e torcida contagiante. Na camisa está escrito não apenas seu nome e número, e sim o seu sonho” disse Jacqueline Yamazaki, brasileira e mãe de Kaori. A goiana se mudou para o Japão em 1990, aos 27 anos. Segundo ela, Kaori já perdeu oportunidades dentro do país por ser filha de estrangeira. “Ela é tão esforçada, gosta tanto de futebol e não desiste, que eu fico tentando realizar o sonho dela com ela”, conta.

Nova fase no Japão

E acreditar quando se parece inútil, como cantou Daijiman Brothers, na música citada por Kaori, é o mais importante. A volta ao Japão levou a japonesa ao Tsukuba FC, pelo qual disputa hoje a Liga L2 Feminina. Jogando como meia e volante da equipe, a camisa 20 do elenco confessa enxergar diferenças entre os estilos de jogos de times japoneses e alemães, mas evita fazer comparações: “É difícil decidir qual é o melhor porque cada país tem seus próprios méritos. Recentemente, passei a achar que é melhor ser capaz de crescer como jogadora de futebol absorvendo os pontos positivos dos dois”, escreveu.

Segundo Kaori, o futebol no Japão, assim como qualquer modalida, tem a escola como referência. Além disso, os horários devem ser rigorosamente cumpridos e tatuagens são proibidas – se houver, precisa estar coberta durante os jogos. Outro desafio é lidar com contusões: “por menor que seja, a volta ao gramado é lenta”, conta.

Camisa 20 do Tsukuba FC, Kaori Yamazaki cumprimenta torcida. | Foto: Arquivo pessoal

Como boa parte das atletas que se dedicam ao esporte amador, as jogadoras não são remuneradas. Para sustentar o próprio sonho, além da dedicação aos treinos e jogos, a maioria das atletas trabalha nas empresas patrocinadoras dos clubes.

Fã de Marta, Formiga e Cristiane, essa última deixada de fora da lista de convocação da técnica Pia Sundhage, a jogadora garante que, além da Seleção Japonesa, também irá torcer para o Brasil nas Olimpíadas de Tóquio, que inicia em 23 de julho no país. Kaori estará presencialmente no estádio assistindo a disputa pela semifinal olímpica de futebol feminino, em Saitama.

WE League

O Japão finalmente anunciou sua primeira liga profissional de futebol feminino: a Women Empowerment League, prevista para ter início em setembro de 2021. A competição, que vai seguir o calendário europeu, deve encerrar em maio de 2022. O objetivo é ampliar a diversidade através do futebol no Japão e desenvolver a modalidade no país.

Antes, os times femininos disputavam a Nadeshiko League, que continuará existindo como liga amadora. “Sempre me perguntei por que não existia uma liga profissional, mesmo o futebol feminino japonês sendo forte até de uma perspectiva global”, admite. Agora, “mesmo no Japão, surgiu a chance de me tornar um profissional’’, escreveu.