O Brasil precisa parar para assistir a última Copa da Rainha Marta

Foto: Alex Grimm/Bongarts/Getty Images

Da bancada da coletiva de imprensa, em frente a dezenas de jornalistas, Pia Sundhage anunciou as convocadas para a Copa do Mundo Feminina, na última terça, 27, na sede da CBF, no Rio de Janeiro. Em meio a 26 nomes, ela anunciou: “Marta, Orlando Pride”. Desde 2003, esse nome de peso é ouvido em todas as convocações para Mundiais, mas, neste ano, foi a última vez.

A geração de Marta está chegando ao fim e, há alguns anos, a Seleção Brasileira Feminina passa por uma renovação. Se estamos perto de dar adeus à presença da Rainha do Futebol nos gramados, é preciso aproveitar cada minuto de Marta em campo e defender seu legado para o futebol feminino brasileiro e mundial.

Marta, Formiga e Cristiane marcaram uma geração jogando juntas. Cristiane, que está em um bom momento no Santos, não foi convocada por Pia na última terça. Foto: AFP

Em março do ano passado, Marta teve a lesão mais grave de toda a sua carreira. Ela rompeu o ligamento do joelho, precisou passar por cirurgia e ficou quase 11 meses sem vestir a camisa da Seleção. Não participou da Copa América de 2022, em que o Brasil foi campeão e só voltou a aparecer na lista de Pia para o torneio amistoso She Believes Cup, em janeiro deste ano. 

Já totalmente recuperada, Marta marcou na estreia do Brasil no torneio e mostrou que ainda tem muito futebol para jogar. Nos últimos dois amistosos da Seleção, a atleta não conseguiu participar por conta de uma lesão muscular na coxa. Mas agora, está pronta para vestir a amarelinha novamente e brilhar do outro lado do mundo.

A melhor de todos os tempos não é para sempre

Na última Copa do Mundo, em 2019, na França, o Brasil não teve uma grande atuação e foi eliminado pela França nas oitavas de final. Ainda assim, naquele ano, Marta alcançou uma das marcas mais importantes da sua carreira e se tornou a maior artilheira da história das Copas do Mundo. A Rainha marcou seu 17º gol e superou o alemão Miroslav Klose. 

Com toda a sua genialidade, devolveu o título aos brasileiros depois de cinco anos e dedicou a marca a todas as mulheres. “É um gol pela igualdade, pelo empoderamento e pelo respeito”, disse em entrevista à CBF TV.

No jogo contra a França, quando o Brasil foi eliminado, Marta fez questão de lembrar que ela não estará para sempre à frente do ataque da Seleção. Muito emocionada, fez um apelo às jogadoras brasileiras: “A gente tem que chorar no começo para sorrir no fim. Não vai ter uma Formiga para sempre, uma Marta, uma Cristiane para sempre e o futebol feminino depende de vocês para sobreviver”, disse em entrevista ao Sportv.

No interior de Alagoas, uma menina que insistia em jogar futebol

Na pequena Dois Riachos, cidade de cerca de 12 mil habitantes no interior de Alagoas, uma menina arrumava briga para jogar bola na rua de terra batida com os meninos da sua idade. “Eu tinha que me impor, brigava mesmo, às vezes de sair no tapa com eles. Eu era muito destemida, quero fazer isso, vou fazer isso”, contou Marta em entrevista ao Museu do Futebol.

Seu momento de êxtase na infância era  assistir aos jogos do CSA, conhecido como Rasga Bola, e correr mais rápido que todos para alcançar e chutar as bolas que iam para fora do gramado de volta aos jogadores. “Eu tinha que conseguir me sobressair e chegar primeiro na bola”, afirmou. 

Aos poucos, ela percebeu que realmente se sobressaía em relação aos meninos que conhecia e viu no futebol a saída para ajudar a família. Começou a carreira como profissional no Vasco da Gama, onde ficou por dois anos.

A falta de espaço no Brasil e a força da teimosia de Helena Pacheco 

Marta chegou ao Vasco aos 14 anos e, de cara, encantou a treinadora do então melhor time feminino do país, Helena Pacheco. Ela sabia que ali tinha uma menina “com raiva da vida”, como contou ao Uol

A atleta se destacou e vivia um bom momento no time, mas dois anos depois, em 2002, o Vasco acabou com o time feminino alegando falta de verba. Marta, que só tinha ido ao Rio de Janeiro para jogar no Cruzmaltino, ficou desesperada. Nem salário ela tinha, se mantinha apenas com uma ajuda de custo e morava no alojamento do Vasco.

No momento em que tudo parecia perdido, Helena Pacheco não desistiu da atleta e lutou para que ela continuasse no Rio de Janeiro, mantendo-a alojada no clube carioca e procurando outros clubes para a atleta não parar de jogar futebol. Ela passou pelo Santa Cruz, de Minas Gerais e, naquele momento, disputou sua primeira Copa do Mundo.

Marta na Copa do Mundo de Futebol Feminino Sub-19, em 2002. Foto: Acervo Museu do Futebol

Durante a Copa, chamou atenção dos Suecos e foi chamada para jogar no Umeå IK. Foi Helena que a ajudou com documentos e todos os processos de mudança para o novo país. Lá, conquistou a Champions League com o time e ficou conhecida por toda a Europa, dando início a sua trajetória meteórica. 

De lá para cá, foi eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo pela FIFA, foi artilheira da Copa do Mundo de 2007 e marcou 120 gols pela Seleção Brasileira, superando Pelé. Hoje, atua no Orlando Pride, time da National Women’s Soccer League (NWSL). 

Marta protagonista também fora de campo

O protagonismo de Marta também está fora dos gramados. Depois de alcançar sua visibilidade, ela transformou as vivências como mulher em um esporte predominantemente masculino em potência. Ela foi eleita embaixadora da boa vontade pela ONU mulheres e é protagonista de protestos em apoio à igualdade de gênero durante sua carreira.

Em 2019, durante a Copa, ela usou uma chuteira preta com um símbolo que pedia igualdade de gênero. A cada gol apontava para a chuteira em seus pés como uma forma de pedir igualdade de salários e oportunidades para homens e mulheres no futebol.

Marta protesta contra desigualdade no futebol. Foto: Jean-Paul Pelissier/Reuters

A atleta negou patrocínio de diversas marcas por não concordar com a diferença de valor oferecida aos atletas homens e às mulheres. Desde 2018, ela decidiu não aceitar nenhuma proposta de marcas como forma de protesto.  

A expectativa é que em julho, ela volte a usar a chuteira preta no Mundial, como fez em 2019 e nas Olimpíadas de Tóquio.

A Copa do Mundo de 2023 e a oportunidade de se tornar ainda mais inigualável

A última Copa do Mundo de Marta pode torná-la ainda mais inesquecível e inigualável. A maior artilheira de todos os Mundiais pode se isolar ainda mais na marca e se tornar ainda mais lendária. 

Se o Brasil vai se sair bem, não tem como saber, mas as expectativas são altas. Com o bom desempenho nos últimos dois amistosos, o empate contra a Inglaterra e a empolgante vitória sobre a Alemanha, o clima das Guerreiras do Brasil é dos melhores.

Independente do desempenho da Seleção, a certeza é de que Marta vai fazer história e ficar marcada para sempre. E que privilégio é poder assisti-la atuando nos gramados ao vivo. Qualquer brasileiro apaixonado por futebol não perderia essa oportunidade. O Brasil precisa parar para assistir a Rainha jogar. 

Jornalista formada pela UFPR, amo futebol. Me encantei pelo futebol feminino e não parei mais de escrever sobre. Gosto de tudo o que o jornalismo esportivo me proporciona e amo o que faço.
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