Três anos de Pia Sundhage no Brasil: o que mudou com a técnica multicampeã?

Thais Magalhães/CBF

Em 30 de julho de 2019, Pia Sundhage foi apresentada oficialmente como técnica da Seleção Brasileira Feminina. A chegada da sueca, sucessora do então técnico Vadão, renovava as esperanças de uma torcida que, recentemente, tinha amargado mais uma eliminação na Copa do Mundo, em uma partida que, mais uma vez, tinha ficado no “quase”.  

E era exatamente esse sentimento de “quase” que a torcida brasileira gostaria de abandonar. O anúncio da técnica bicampeã olímpica foi recebido com bastante celebração entre torcedores e analistas. 

Naquela tarde de terça-feira, vimos uma Pia ainda meio tímida, mas feliz por estar no Brasil. Entre todas as perguntas respondidas naquele dia, estava as expectativas de um trabalho promissor: “Eu espero grandes coisas como técnica, vou trabalhar duro, bem duro, e ter certeza de que darei meu melhor”, estimou.

Três anos depois, após encarar torneios amistosos, Jogos Olímpicos e até mesmo uma das maiores pandemias mundiais, o que mudou na Seleção Brasileira sob o comando de Pia Sundhage? 

Abaixo, separei alguns pontos que considero positivos neste período de trabalho da técnica, e outros um tanto polêmicos.  

A tão sonhada renovação

Sim, ela chegou! A tão sonhada, desejada e almejada renovação da Seleção Brasileira veio com tudo na Era Pia. E sério, pedíamos isso há muito tempo. 

Sob o comando da sueca, as atletas mais novas começaram a ter mais oportunidades. Junto com sua equipe, Pia passou a percorrer várias partes do Brasil para observar partidas do Campeonato Brasileiro Feminino A1 e A2 e buscar antigos e novos nomes para começar a montar seu plantel ideal. 

Aos poucos, vimos a Seleção se tornar cada vez mais independente do lendário trio Marta, Cristiane e Formiga. Não porque elas estão ruins de bola ou a Pia não soube reconhecer a história delas no grupo, longe disso. Mas porque sempre foi necessário ir além.

Pia soube explorar novas opções e, principalmente, dar confiança e espaço a essas novas atletas. É importante reconhecer que Emily Lima, ex-técnica da seleção, já tinha começado esse trabalho de mapeamento antes, porém, com a sueca, ele se ampliou. 

Não à toa, estamos tendo a edição da Copa América com mais estreantes da história. Nomes como Antônia, Angelina, Kerolin, Gio Queiroz, Fê Palermo, as três Dudas, Luana, Geyse e tantas outras, que caíram no gosto da torcida e da técnica, estão de fato dando cara nova à seleção. 

Thaís Magalhães | CBF

Outro ponto importante foi como outros nomes que já atuam pela seleção há um tempo, especialmente no setor ofensivo, como Bia Zaneratto, Debinha e Adriana, foram evoluindo e assumindo mais protagonismo. Um resultado do aumento da confiança e das oportunidades que chegaram nessa nova era. 

Maior estrutura e visibilidade

Não há como negar que após o Mundial de 2019 a página virou na história do futebol feminino. Na Seleção Brasileira não foi diferente, as atletas receberam mais estrutura, investimento e, especialmente, mais visibilidade.

Apesar de todas essas mudanças não estarem ligadas diretamente à chegada da técnica na Seleção, não há como negar que a presença de Pia Sundhage foi imprescindível para que elas acontecessem. Seja para acompanhar o desenvolvimento macro que a modalidade estava vivenciando no mundo, como também para atender às necessidades do planejamento da nova comandante.

Desta forma, a Seleção ganhou mais espaço dentro da entidade. Ampliou o número de profissionais atuando diretamente com a equipe principal e os times de base, que também ganharam uma nova formação estrutural. 

Seleções de base

Eis uma das mudanças mais significativas com a vinda de Pia Sundhage ao Brasil: Seleções de base. Sim, elas já existiam antes, mas a forma como os técnicos se comunicavam com o time principal se transformou significativamente. 


O contato entre as equipes técnicas de Pia Sundhage, Jonas Urias (técnico da seleção sub-20) e Simone Jatobá (técnica da seleção sub-17) são constantes e têm sido bastante aproveitados. Isso porque, em vários casos, algumas atletas transitam entre as seleções para serem melhor aproveitadas. Exemplo de Duda Sampaio, antes oficialmente da Sub-20 e que agora está atuando na seleção principal, e da Giovana Queiroz, que também está na Copa América pela principal e foi convocada recentemente para o Mundial Sub-20 deste ano. 

De acordo com as próprias atletas, que já falaram diversas vezes sobre essa troca de experiências em coletivas, o contato entre as seleções é positivo, amplia oportunidades e cria um clima de grande família, que é bem aproveitado dentro e fora de campo. 

Mudou a “cara” do futebol 

Agora vamos ao que mais interessa para a torcida: futebol dentro de campo. Mudou alguma coisa? A resposta é sim! E aqui eu abro destaque para um aviso: essa será a parte mais pessoal do texto que você, que chegou até aqui, vai ler.

As mudanças são inegáveis. Para quem estava acostumado com o modelo chuveirão da seleção de Vadão, a Era Pia nos acrescentou demais em termos técnicos e táticos. Desde o princípio, ela tem demonstrado sua exigência em uma entrega máxima e uma evolução constante.

Seleção comemorando classificação na Copa América | Thais Magalhães/CBF

E parecia óbvio, mas ver a seleção “ficar com a bola”, “construir jogadas da defesa ao ataque” e “pressionar as adversárias”, era algo que há um tempo não estávamos testemunhando. Pia soube aproveitar as atletas que já estavam e unir com as que chegaram, explorando suas qualidades e versatilidade em prol de um time que jogasse ‘em grupo’. 

Ver o Brasil jogando com e para o grupo, e não apenas ficar limitado a uma ou mais estrelas agrada bastante. “Ah, mas poderia ser melhor”, “Ainda comete muito erros”, “A Pia ignora nomes muito bons na convocação”. Sim, concordo com todas essas opiniões. Porém, isso não diminui o trabalho positivo da técnica até aqui, e sua essencialidade para o tamanho da evolução do time. 

Vale lembrar que, durante grande parte deste período, enfrentamos uma pandemia que inviabilizou um trabalho 100% consistente e que estamos iniciando um processo de renovação. E ao contrário do que muitos críticos e corneteiros pensam, um processo de renovação precisa de tempo e condições ideais para corresponder a um alto nível de exigência. 

Os erros de Pia Sundhage

Mas, e os erros? A técnica que chegou com altas expectativas também errou? A resposta também é óbvia: sim. A Pia errou e já admitiu isso. E, outros tantos como eu, ainda brigam com a teimosia das suas decisões até hoje.

Apesar de ter convocado um grande número atletas nesse período, Pia errou em deixar de fora talentos que poderiam ter complementado algumas fragilidades da seleção. Talvez ela mesma tenha se arrependido de ter convocado Gabi Zanotti apenas uma vez, quem sabe apostando que a boa fase dela passaria. 

O que falar também da fatídica partida entre Brasil x Canadá na decisão das oitavas de final dos Jogos Olímpicos, onde essa mesma teimosia, em apostar nas mesmas peças e não buscar mudanças quando devia, acabou sendo crucial para sacrificar a chance de avanço da seleção em uma das maiores competições mundiais. 

A Pia também pode ter errado (e foquem no pode) em não ter cobrado da CBF (ao menos nunca deixou pública essa cobrança), uma despedida digna para Cristiane e Bárbara, visto que, aparentemente, o tempo delas na seleção tenha passado. 

Como uma célebre e lendária atleta, a sueca sabe que nomes como esses precisam ter um reconhecimento da entidade e da torcida, assim como teve Formiga, que vamos combinar, poderia ter sido muito melhor. Deixar que nomes como Cristiane, Bárbara e outras, saiam da seleção sem um último capítulo, é injusto e lamentável. 

No entanto, apesar dos erros (e possíveis erros) tão conhecidos, cabe também a nós mesmos uma reflexão: as falhas da técnica são maiores ou menores que os acertos que ela tem demonstrado até o momento? Também é um erro dela pedir paciência a torcida brasileira ou nós que estamos sendo impacientes e não dando tempo suficiente ao seu trabalho? 

É com essas reflexões que eu quero concluir esse texto, pedindo que a gente pense, repense, mas, sobretudo, também reconheça que dentro desses três anos demos passos significativos. E claro, torcer para que hoje, nessa data marcante para a Pia Sundhage, ela possa fazer história e se consagrar como a primeira técnica mulher campeã da Copa América. 

Jornalista e Profissional de Educação Física. Pernambucana, bairrista por natureza, vivendo a máxima Gonzaguista: “Minha vida é andar por esse país”. Apaixonada por futebol desde que respira. Atualmente vive em São Paulo, e tem como sonho ajudar a conduzir o futebol feminino ao topo. Fora das quatro linhas, gosta de ler, pedalar, explorar a natureza e é obcecada pela ideia de estar sempre criando algo novo.
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