Da plantação de algodão ao futebol feminino: o sonho do primeiro Brasileirão

Por Júlia Carvalho

Em 1998, a Seleção Brasileira de Futebol Feminino se tornava tricampeã da Copa América. No mesmo ano, o segundo Brasileirão Feminino da história estava sendo conquistado pelo Vasco, por dois a zero, em cima da Portuguesa. Eram mais de 400 atletas divididas em 20 times que driblavam, fora dos gramados, a subestimação da modalidade.

Também em 98, em Jaguaruana, no Ceará, nascia uma nova geração de jogadoras. Uma delas é Francisca Leandra Pereira da Silva, de 20 anos. Atualmente, a camisa 23 é centroavante do Cruzeiro de Macaíba, time onde estreou na série A2 do Brasileirão em 2019.

Filha de agricultores, a cearense cresceu apaixonada por futebol. De gandula nos jogos da rua, Leandra estreitou os laços com a bola e dividia as habilidades com a irmã e o pai, segundo ela, o melhor goleiro da região. Aos 15, foi para Fortaleza completar o time do Mina Olímpica, grupo pelo qual disputou a Copa do Nordeste, em Recife, e uma partida do Campeonato Cearense. A primeira passagem por um time potiguar foi em 2015, no J.A, de Baraúnas. Como ainda morava no Ceará, a centroavante precisava se deslocar de um Estado a outro duas vezes na semana, durante a noite, para participar dos treinos, que aconteciam no assentamento Vila Nova, no Rio Grande do Norte. Três anos depois, participou de uma seleção para integrar o elenco de jogadoras do Cruzeiro, onde está desde o dia 12 de março, em preparação para disputar a segunda divisão do Campeonato Brasileiro.

“Quando eu fui embora, meu pai ficou morto de orgulhoso. O sonho dele era ser jogador, então ele ficou feliz de me ver realizando esse sonho” conta Leandra. Emocionada, a menina lembra da mãe: “ela chorou muito, mas acredita em mim e no meu sonho”. Nas terras de João Eugênio da Silva e Maria Leticia Pereira, pai e mãe da jogadora, ela apanhava algodão, enquanto a família ficava com a parte mais dura do trabalho no campo.

No Rio Grande do Norte, a atleta recebe auxílio moradia do clube e divide uma casa em Macaíba com outras três companheiras de time, que também vieram de fora. De longe, recebe o apoio dos amigos e nutre o desejo de se profissionalizar no futebol. “Um vizinho na minha antiga cidade já disse que não acreditava em mim. No dia que eu jogar num time grande, vou mandar um ingresso pra ele ver minha estreia nesse time. E eu espero que ele vá”, conta.

Com poucas semanas em Macaíba, Leandra ainda está se adaptando ao clube, que conta com 27 jogadoras. Os treinos acontecem duas vezes por semana e tem durado em média uma hora, devido à falta de luz no gramado. “A maior dificuldade no futebol feminino hoje é encontrar um patrocinador forte. Dificilmente empresas grandes patrocinam porque pensam que não tem futuro, não tem retorno”, desabafa. Por outro lado, apesar de criticar a falta de visibilidade como pano de fundo no esporte, a atleta confia no empenho do time. “A comissão técnica do Cruzeiro é excelente. Eles ajudam no que podem e se viram em mil para fazer tudo, do treinador ao faxineiro”, relata.

No campo da experiência, Leandra lembra de Cristiane e Marta como as principais referências na modalidade. “Cristiane é minha jogadora inspiração, porque ela é muito incrível, joga demais”, conta. Já em relação à jogadora seis vezes eleita a melhor do mundo, a centroavante decreta: “quero ser a segunda Marta, já que o canto mesmo dela não tem como ocupar”, brinca. Entre os clubes profissionais, a jogadora revela a vontade de jogar no Flamengo e em times internacionais, como o Barcelona. Além, claro, de representar a Seleção Brasileira em uma Copa do Mundo. “O meu sonho é o mundial.”

O Cruzeiro de Macaíba estreou no Brasileirão Feminino com um empate contra o Náutico, de Pernambuco, no dia 28 de março. Durante a partida, cada equipe balançou a rede três vezes. O próximo jogo da equipe macaibense acontece na segunda-feira, 15 de abril, contra o Lusaca, da Bahia, na Arena das Dunas, em Natal. As meninas estão no Grupo 3, que ainda conta com o Botafogo, da Paraíba, Canindé, de Sergipe, e União Desportiva, de Alagoas. Avançam para as fases de mata-mata os dois melhores times de cada um dos seis grupos e quatro times que tiverem melhores pontuações estando em terceiro lugar. É a primeira vez que o time encara o Campeonato Brasileiro, vaga alcançada após a conquista do campeonato potiguar em 2018.

Para Leandra, um momento de entusiasmo com o futebol feminino. “Eu só espero crescer e também ajudar o time na competição. Vim pra isso. A meta é subir o Cruzeiro de Série”.

 

Fotos: Biga/Cruzeiro de Macaíba

Jornalista e Profissional de Educação Física. Pernambucana, bairrista por natureza, vivendo a máxima Gonzaguista: “Minha vida é andar por esse país”. Apaixonada por futebol desde que respira. Atualmente vive em São Paulo, e tem como sonho ajudar a conduzir o futebol feminino ao topo. Fora das quatro linhas, gosta de ler, pedalar, explorar a natureza e é obcecada pela ideia de estar sempre criando algo novo.
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