Elas no comando: cresce o número de técnicas no Brasileirão Feminino, mas mulheres ainda são minoria na gestão

Na Série A1 do Brasileirão Feminino, cerca de 38% das comissões técnicas são formadas por mulheres, enquanto apenas 19% estão em cargos de direção 

“Mulheres no comando, mulheres no poder”. Esse é um refrão de uma música da Banda Psirico, famosa por seu pagode baiano, mas, que se encaixa perfeitamente para representar o novo cenário desta edição do Campeonato Brasileiro Feminino A1. 

Depois de uma edição histórica em 2021, com aumento de engajamento, audiência,  público, nível técnico e premiações, a maior competição do país completa dez anos e ultrapassa mais um recorde, tendo o maior número de mulheres no comando dos clubes desde sua primeira edição.

Por outro lado, nenhum ritmo foi capaz de embalar o crescimento da presença feminina em cargos diretivos. Analisando os números, não é possível afirmar que um cenário positivo se aproxima e nem se há uma tendência de mudança entre as equipes. 

Em campo

Entre os 16 clubes participantes, cinco têm uma treinadora à frente, o que corresponde a 31% de presença feminina no comando. Esse é o maior número desde 2013, quando aconteceu a primeira edição do torneio e apenas uma mulher integrava o quadro profissional. Oito anos depois, em 2021, quatro mulheres estavam no comando de  clubes. Nesta temporada, mais uma se juntou ao time.  

  1. Lindsay Camila – Atlético Mineiro

A treinadora, ex-zagueira e atual “dona da América”, carrega consigo o título de primeira mulher a vencer uma libertadores feminina. O fato aconteceu em 2020, quando Lindsay ainda comandava a Ferroviária. Em outubro de 2021, ela assumiu o Galo Feminino e conquistou o acesso à elite do Brasileirão, depois de conquistar o vice-campeonato da Série A2. 

Com um currículo de peso, a treinadora já foi auxiliar técnica da seleção feminina sub-17 e atuou nas categorias de base do Lyon, na França.

Para essa temporada, a expectativa é consolidar o Galo na primeira divisão e quem sabe, chegar na zona de classificação.

“Se a gente e pensar que no ano passado, entre as quatro equipes que subiram, três acabaram voltando pra segunda divisão, nosso primeiro pensamento é não estar entre esses quatro que caiam e, depois, lutando jogo a jogo pra quem sabe uma classificação e a possibilidade de ir um pouco mais longe no mata-mata”. 

  1. Roberta Batista – Ferroviária 

Efetivada desde a saída de Lindsay, Roberta Batista chegou para comandar a base do time de Araraquara e assumiu o time principal em setembro de 2021. Ela liderou o time na semifinal do paulista e na Libertadores, ficando com a medalha de bronze. 

Essa é a primeira vez que Roberta vai comandar a equipe desde o início da temporada. A treinadora já comenta que a expectativa para a Ferrinha são as melhores, e ressalta que a equipe chega muito bem preparada na forma física, técnica, tática e emocional. 


Em resposta sobre o favoritismo das Guerreiras Grenás, durante uma coletiva de imprensa, Roberta deixou claro seu recado. 

“A Ferroviária sempre entra em qualquer campeonato buscando o lugar mais alto do pódio, mas é claro que o favoritismo você conquista dentro de campo. A  Ferroviária vai entrar pra brigar, mas precisamos demonstrar ações dentro de campo para demonstrar o quão grande nos somos e o quanto a gente quer esse título”.  

  1. Tatiele Silveira – Santos

A professora das Sereias da Vila é a única mulher a conquistar o Brasileirão Feminino A1. O título veio em 2019, quando treinava a Ferroviária. Ela também é uma velha conhecida dos gaúchos, afinal, esteve no comando do Internacional por duas temporadas (2017 e 2018).

Tatiele assumiu o Santos em julho do ano passado, finalizando o trabalho deixado por Christiane Lessa e levando a equipe ao 4º lugar da competição. 

Depois de ser protagonista de sua história, Tatiele afirmou em entrevista ao ESPN, que espera colocar o Santos no centro de todas as competições da temporada. 

  1. Rosana Augusto – Red Bull Bragantino 

Com experiência nos gramados e conhecida por ser medalhista olímpica e vice-campeã do mundo pela Seleção Brasileira, Rosana Augusto é iniciante fora de campo e chega para o seu segundo trabalho como técnica. 

Como jogadora, sempre optou por um estilo de jogo mais agressivo, com ou sem a bola. Essa deve ser a metodologia aplicada pela treinadora, que está pela primeira vez comandando uma elite do futebol nacional (O Bragantino foi o campeão da série A2 de 2021). 

Em suas redes sociais, Rosana celebrou a escolha para comandar as Bragantinas e disse ter ciência que a ideia é contribuir com o desenvolvimento das atletas e de todos que participam do processo do futebol feminino. 

“E isso me deixa muito confortável, já que os meus pensamentos se convergem com os do clube. Ansiosa para começar os trabalhos e trocar experiências com todos os envolvidos”. (disse  em uma de suas postagens)

Na temporada de 2022, o RB Bragantino está tendo um início conturbado e somou apenas um ponto na competição. No entanto, a técnica afirma confiar no desenvolvimento do grupo. 

Reprodução/Instagram

  1. Patrícia Gusmão – Grêmio 

No comando do time gaúcho desde 2019, Patrícia segue em busca do primeiro título com o tricolor. Antes, em 2018, ela estava no Internacional, como auxiliar técnica de Tatiele Silveira. 

Em 2021, o elenco passou por reformulações e ao total trouxe 13 reforços e oito renovações para essa temporada, que inclusive, já chamou atenção de quem viu as Gurias Gremistas em campo, durante a Supercopa do Brasil, quando Patrícia levou o time ao vice-campeonato. 

Neste Brasileirão, Patrícia comenta a importância de somar pontos, principalmente em um campeonato de pontos corridos e destaca que o primeiro objetivo é estar entre as oito equipes classificadas. 

“Tivemos um início conturbado, devido a tudo que aconteceu na primeira rodada, mas nos recuperamos  e estamos trabalhando para conseguir, no primeiro momento, ficar entre as oito melhores equipes e depois buscar algo maior dentro da competição. Mas para isso, a gente sabe que precisa trabalhar e evoluir muito. É uma equipe que já mostrou seu potencial, mas a gente precisa a cada jogo pontuar e estar cada vez mais próximas das primeiras colocadas na tabela”, 

Fora das quatro linhas

É fato que ver o time atuando em campo com as treinadoras liderando e comandando todo o estilo de jogo corrobora para a festa do futebol brasileiro. Mas, todo o trabalho é fruto de uma gestão. E nas cabeças dos clubes, a presença feminina ainda é tímida. 

Em 2020, cinco pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp) perceberam a disparidade numérica entre homens e mulheres que ocupam cargos no departamento feminino dos clubes entre 2013 e 2019. A conclusão, apesar de óbvia, demonstrou que apenas 14% dos cargos tinham representação feminina.

Entre os 16 clubes, apenas a Ferroviária, uma das equipes mais tradicionais do futebol feminino, possui, desde 2019, uma comissão técnica formada majoritariamente por mulheres. Atualmente, o número corresponde a mais de 75% da equipe que conta com nove mulheres e três homens. 

Em seguida, o Atlético-MG e o Red Bull Bragantino aparecem como os times que possuem mais mulheres em sua comissão técnica, somando 70% e 69%, respectivamente. 

Apesar do número positivo no Top 3 brasileiro, entre os cargos diretivos, a cara não é nada feminina, isso porque apenas a Locomotiva se mantém no topo. 

*Flamengo/Marinha e Real Brasília não disponibilizam os dados até a publicação desta matéria*

Atualmente, São Paulo, Santos, Red Bull Bragantino, Grêmio, Cresspom e Atlético-MG integram o grupo dos times que não possuem nenhuma mulher ocupando cargos diretivos. 

As estruturas organizacionais nos departamentos de futebol feminino ainda não possuem um padrão ou norma definida, principalmente no que diz respeito à distribuição de funções, responsabilidades e objetivos.  

Na diversidade do Campeonato Brasileiro Feminino, contamos com times mais estruturados, times com equipes e coordenação reincidentes do masculino, times de apenas um dono e aqueles que sobrevivem da paixão das atletas pelo clube e modalidade, do voluntariado e da perspectiva de iniciar a atividade profissional. 

O gráfico retrata as diferentes quantidades de pessoas que formam os departamentos femininos ilustrados pelas colunas em azul. Já a linha vermelha mostra quantas dessas pessoas são mulheres. 

Mesmo que os números não demonstrem um cenário animador e com o futebol feminino centrado na região sudoeste, dois nomes femininos chamam atenção: Leila Pereira, a única mulher presidente de um clube, assumiu o Palmeiras em novembro de 2021, e declarou que o Verdão não tinha como arcar com receitas e investimentos para a modalidade.

Reprodução/Instagram

Em contraponto, o Corinthians, um dos clubes mais expressivos das américas, tem Cris Gambaré, ex-conselheira do Timão e diretora de futebol feminino, como um dos nomes mais expressivos da modalidade. Desde 2018, ela liderou um projeto que rendeu muitas taças, mas principalmente, avanços que começaram com a manutenção do elenco base e da comissão técnica, tendo Arthur Elias como treinador desde 2016, quando o clube ainda tinha parceria com o Audax. 

Um trabalho de formiguinha, fez com que o Corinthians de Cris alcançasse a alta prateleira do futebol feminino nacional proporcionando ações específicas, que geraram resultados: recordes de públicos apoiado dos torcedores à diretoria, que juntos construíram o que o mundo conhece como as Brabas. 

Olho no futuro!

Por outro lado, há outro movimento na história em que os clubes estão escolhendo a dedo nomes prestigiados em campo para reerguer a modalidade fora das quatro linhas. Exemplo disso é o Vasco, que após as polêmicas de atrasos salariais e falta de estrutura, contratou em fevereiro a ex-jogadora Pretinha para o cargo de auxiliar técnica (promessa de campanha do atual presidente Jorge Salgado).

Desembarcando no nordeste, o Fortaleza também convocou as mulheres para a reformulação das Leoas. Débora Ventura, que comanda a equipe nos gramados, agora conta com o suporte e supervisão de Anna Beatriz Maia, Doutora em Administração e Executiva de Futebol pela CBF Academy, como a nova gestora do time cearense. 

“Meu compromisso não é apenas proporcionar o funcionamento do futebol de base e profissional feminino, mas também desenvolver e potencializar as atletas como ativos importantes para o clube, bem como buscar parcerias e captações de recursos em prol da sua sustentabilidade – afirmou Anna Beatriz em entrevista ao site oficial do clube.

Neste ano, o torneio nacional começou no dia 6 de março e 16 equipes disputam o cobiçado título de melhor time do Brasil. A primeira fase da competição segue até o dia 7 de agosto e a partir daí conheceremos os oito times que avançam para o mata-mata e quais serão rebaixados para a Série A2. 

Diretamente da Bahêa, filha de Iemanjá e jornalista esportiva em ascensão. Faço do futebol meu carnaval em tempo integral. Leonina, simpatizante das câmeras, curto um pagodinho e samba de roda. Estou sempre praticando e falando de esportes. Ou trabalhando, mas não necessariamente com esportes. Ah, eu simplesmente não tenho ideia de como relaxar!