Contraste GreNal: a diferença entre Grêmio e Internacional no futebol feminino

Por: Emilia Sosa e Esther Fischborn

“GreNal é GreNal”, essa é a frase que define um dos maiores clássicos do futebol brasileiro. A discussão sobre quem é o maior ou melhor cria diversas polêmicas do Rio Grande do Sul a fora.

Diante disso, fizemos um comparativo, em diferentes áreas, que evidenciou o contraste entre os clubes no futebol feminino e apontou para uma larga vantagem no placar para o Internacional, hoje uma das potências da modalidade no país. 

A retomada da modalidade das duas equipes aconteceu em 2017, antecipando a obrigatoriedade da Conmebol. Enquanto o Internacional realizou o processo de forma gradual, o Grêmio traçou um caminho diferente, com uma parceria com a Associação Gaúcha de Futebol Feminino (AGFF), e só em 2018 que o clube assumiu definitivamente a gestão do departamento. 

No Inter, primeiramente, o futebol feminino foi de responsabilidade da vice-presidência de Relacionamento Social, mas desde 2021 é vinculado à vice-presidência de Futebol do clube. Enquanto no Grêmio, a modalidade é comandada pelo ex-ponta e meia-esquerda do Grêmio, campeão gaúcho de 1977, Julio Titow, conhecido como Yura.

O recomeço no futebol feminino

Inter

O recomeço das atividades no futebol feminino do Internacional foi planejado passo a passo. Inicialmente foi selecionada uma comissão técnica, composta por treinadora, preparadora física, fisioterapeuta e um preparador de goleiras. Depois disso, o clube realizou uma avaliação técnica que reuniu 700 meninas. Da avaliação, saíram 70% das atletas campeãs gaúchas de 2017.

Com a conquista do estadual de 2017, sobre o Grêmio, veio também a vaga no Brasileirão Feminino A2 de 2018. Na segunda divisão da competição nacional, as Gurias Coloradas chegaram na semifinal,  perderam para o Vitória-BA e terminaram a competição na terceira colocação, sem conquistar o acesso à elite do futebol brasileiro.

A coroação do trabalho dos últimos dois anos veio em 2019, com o acesso à Série A1 do Brasileirão Feminino, devido à desistência do Rio Preto-SP.

No seu primeiro ano no Brasileirão Feminino A1, as Gurias Coloradas se classificaram para as quartas de final ocupando a 5ª colocação na classificação geral. Em 2020, o resultado na primeira fase foi ainda melhor, sendo a terceira melhor equipe da primeira fase. Mas, foi em 2021 que o Internacional chegou mais longe na competição, vencendo o São Paulo de virada no Morumbi, e conquistando a vaga inédita na semifinal da competição. 

Em 2022 foi mais fácil chegar entre as quatro melhores equipes. Com uma temporada equilibrada e se classificando com três rodadas de antecedência para as quartas de final, o Inter garantiu a vaga na semi depois de vencer o Flamengo por 3 a 1 no primeiro jogo e empatar em 1 a 1 no segundo duelo. 

Hoje, todas as atletas do time principal trabalham com carteira assinada, enquanto as jogadoras da base possuem contrato de formação. Ao todo, são mais de 60 nomes registrados no BID. 

Grêmio

O time das Gurias Gremistas começou logo na primeira divisão do campeonato nacional em 2017. Uma parceria entre Grêmio e Associação Gaúcha de Futebol Feminino (AGFF) permitiu que a equipe gaúcha entrasse na disputa pelo campeonato. Como a equipe masculina estava melhor colocada no Brasileirão, a equipe feminina ganhou uma vaga direto na A1. No final da temporada, porém, as gurias caíram para a série A2. 

Foi nesse momento que o Grêmio assumiu totalmente a direção do departamento. Júlio Titow, o Yura, é hoje o Diretor de futebol do feminino. Profissionalizado desde 2018, as atletas contam com um contrato idêntico aos do time masculino, todas da equipe com carteira assinada. Além de também contarem com bolsas de estudo na Sogipa (Sociedade Ginástica de Porto Alegre).

Depois do retorno à elite, 2020 foi o primeiro ano que o Grêmio chegou às quartas de final, quando foi batido pelo Corinthians por cinco a um no agregado. Em 2021 conseguiu o sétimo lugar na tabela na primeira fase, mas ficou novamente nas quartas, dessa vez sendo eliminado pelo Palmeiras.  

No final de 2021 o departamento fez uma “limpa” no grupo de jogadoras. Ao todo, 16 atletas se despediram do clube: a goleira Raíssa, as laterais Gisseli Mariano, Isa e Vitória Kaíssa, as zagueiras Andréia Rosa e Lore González, as meio-campistas Mayara Farias, Maglia, Jé Alves, Kika, Mariza e Jane Tavares, e as atacantes Maiara Lisboa, Eudimilla e Nathane Fabem. Além da defensora Andressa Pereira, que optou por rescindir o contrato de forma antecipada. 

Por outro lado, a diretoria fez contratações, como as zagueiras Mónica Ramos e Tuani, a volante Jéssica Peña e a atacante Catyellen. Ao todo foram 13 contratações. Mesmo com todas as trocas, a comissão técnica foi mantida, com Patrícia Gusmão como treinadora e Yurinha (filho do Diretor do departamento) como auxiliar. Patrícia comanda o time gremista desde 2017. Em 2018 ela saiu do clube e voltou em 2019.

O 2022 do Tricolor parecia promissor. Apesar de todas as trocas na equipe, o time comandado por Patrícia Gusmão chegou na final da inédita Super Copa do Brasil, quando fez um dos melhores jogos do ano contra o Corinthians, em Itaquera, mas acabou levando um gol no finalzinho da partida. 

O vice-campeonato, porém, parecia mostrar um futuro promissor da equipe. Mas chegou o Brasileirão e,com o desempenho abaixo do esperado, as Gurias Gremistas conseguiram a classificação aos 45 do segundo tempo, quase que literalmente, já que a vaga às quartas de final veio aos 39 da segunda etapa, com o gol de Laís Estevan. 

A emocionante classificação não foi o suficiente para motivar a equipe na fase seguinte. O Grêmio foi batido pelo Palmeiras, na Arena do Grêmio, por 5 a 0 no jogo de ida, e no jogo de volta por  2 a 1, no Allianz Parque. 

Base: o investimento que dá certo

Inter

Quando se fala em categorias de base, o Internacional é especialista. O clube participou de todos os campeonatos de base desde a sua criação, em 2019. No sub-18, logo no primeiro ano na competição foi campeão vencendo o São Paulo por 2 a 1 no agregado. Em 2020, as Gurias Coloradas foram vice-campeãs, perdendo o título nos pênaltis para o Fluminense. Já em 2021, a equipe ficou mais uma vez entre as quatro melhores da competição.

Na categoria sub-16, o Internacional participou da primeira edição em 2019, mas foi em 2020 que levantou a taça de campeão. No ano seguinte, disputaram novamente a  final, mas perderam o título para o Corinthians.

Neste ano, com a reformulação dos campeonatos de base, passando o sub-16 para sub-17 e o sub-18 para sub-20, nada mudou na trajetória vitoriosa da equipe. As Gurias Coloradas são as atuais campeãs das duas competições, provando que o investimento na base traz resultados.

O caminho de triunfos também é construído fora do país. O Internacional foi campeão da Liga de desenvolvimento sub-16, em 2019, e da Liga de desenvolvimento sub-14, de 2021, ambos campeonatos organizados pela Conmebol e com participação de clubes de diversos países da América do Sul.

Gurias Coloradas comemorando o título do Brasileirão Feminino sub-17 – Victor Lannes/ CBF

Grêmio

Atualmente, o Grêmio possui três categorias de base no futebol feminino. As categorias Sub-14 e Sub-17, junto a Escola de Futebol, e a Sub-20, em Gravataí, região metropolitana de Porto Alegre. A primeira participação em um campeonato de base foi no primeiro ano de profissionalização do futebol feminino, em 2019. No Brasileirão Sub-16, as Gurias terminaram em último lugar no grupo C com apenas uma vitória e duas derrotas. No ano seguinte, mais uma vez no Sub-16, as gremistas emplacaram o terceiro lugar no grupo, mas novamente foram eliminadas. 

Em 2021, o Grêmio terminou em segundo lugar no Grupo A, mesmo grupo do Internacional. O clássico GreNal teve vitória das Coloradas. No Sub-18, o Grêmio participa desde a edição de 2020, quando ficou em último lugar no grupo. Em 2021, terminou em terceiro no grupo.

Em 2022 as Gurias Gremistas participaram de dois campeonatos de base, o Sub-17 e o Sub-20. No Sub-17 emplacaram o segundo lugar no grupo, atrás das rivais do Inter. Foram às semifinais e acabaram eliminadas para o Santos. No Sub-20 foram as líderes do grupo, à frente do Internacional, mas acabaram eliminadas para as rivais coloradas nas semifinais. 

O destaque da base gremista não fica apenas nos campeonatos brasileiros, mas também em campo com a Seleção Feminina de base. A zagueira Pati Maldaner, a meia Rafa Levis e a atacante Luany disputaram a Copa do Mundo  Sub-20 com a Seleção em 2022 e conquistaram o bronze. Elas já haviam conquistado o título do Sul-Americano com a canarinho neste ano.

Gurias Gremistas no GreNal do Brasileirão Feminino sub-20 – Morgana Schuh | Grêmio FBPA

Estrutura do futebol feminino

Inter

Desde a reativação da modalidade, o Internacional mudou apenas uma vez o endereço das Gurias Coloradas. Primeiramente, as atletas moravam em casas alugadas pelo clube, sediadas em Porto Alegre, e treinavam no campo da UFRGS e da Brigada Militar. Em 2021, o clube firmou uma parceria com o Sesc Protásio Alves, que se tornou a casa oficial da modalidade.

A entidade oferece estrutura completa de moradia das atletas, além de locais próprios para treino e o campo onde o clube manda os jogos. 

Reprodução/CBF

Grêmio

O Estádio Antônio Vieira Ramos, o Vieirão, em Gravataí, é o endereço exclusivo das Gurias Gremistas desde 2018. O espaço, que pertence ao Cerâmica, foi alugado pelo Tricolor para que as atletas pudessem treinar, se concentrar e realizar as partidas.

A estrutura tem capacidade para oito mil torcedores e possui grama com certificado internacional. Conta com academia, sala de apoio, dois vestiários, cozinha equipada e escritórios. Além de ser o local dos treinamentos, serve também como alojamento para as atletas que não moram próximo ao estádio. 

Omar Freitas / Agencia RBS

Investimento/Orçamento

Inter

O orçamento do futebol feminino do Internacional fica disposto no fundo orçamentário do futebol. De acordo com o Portal de Transparência do clube, em 2021, o valor investido na modalidade foi de R $3.500.384. Para 2022, o valor subiu para R $5.500.000 no planejamento anual, um aumento percentual de aproximadamente 57%. Esse montante inclui os salários pagos às jogadoras das categorias de base, assim como aos funcionários da comissão e atletas do futebol profissional.

Além dos valores investidos diretamente na modalidade, o Internacional ainda oferece os benefícios da parceria do clube com a Faculdade Sogipa, onde as atletas podem estudar todos os cursos na área da saúde e esporte oferecidos pela instituição. 

Grêmio

O futebol feminino do Grêmio faz parte do orçamento do departamento de futebol. Os dados de 2021, disponíveis no Portal da Transparência do clube, informam que o custo do futebol feminino no ano foi de R$5.024.130. Esse valor inclui as despesas dos contratos das atletas, manutenção do estádio, entre outros custos exclusivos da modalidade.

O abraço da torcida

Inter

Sempre presente e envolvida na trajetória das Gurias Coloradas, a torcida colorada dá um showzaço dentro e fora dos estádios. Mesmo em jogos no Sesc Protásio Alves, os torcedores já marcavam presença e na primeira oportunidade que tiveram de comparecer em um jogo no Beira-Rio, já teve recorde de público. Foram 7025 pessoas presentes na partida de volta das quartas de final entre Internacional e Flamengo. 

Além da presença física, virtualmente a torcida colorada também bate um bolão nas redes sociais oficiais das Gurias Coloradas No Twitter, são quase 53 mil seguidores, no Instagram são mais de 97 mil e no Facebook são mais de 41 mil pessoas acompanhando a página.

Grêmio

Apesar da derrota dentro de campo, a partida de ida das quartas de final do Brasileirão 2022, contra o Palmeiras, trouxe um aspecto positivo: o conhecido fator local. A partida marcou o domingo de ‘Dia dos Pais’, com temperaturas baixas na capital gaúcha, além de um cenário desfavorável à vitória gremista. 

Mesmo assim, foi o recorde de público no futebol feminino do Tricolor. Um público total de 1036 pessoas, com uma renda superior a cinco mil reais. Essa foi a segunda vez que as gurias jogaram na Arena do Grêmio, estádio oficial do Tricolor Gaúcho, e a primeira vez com torcida presente no estádio.

Mesmo com a recepção da torcida no estádio, o Grêmio tem dificuldades em aproximar o torcedor com o time feminino. O principal exemplo é que o time feminino não possui um perfil próprio nas redes sociais. A justificativa, de acordo com o próprio clube, é que o time feminino e masculino são o Grêmio e, por isso, não teria necessidade de criar um perfil único para cada equipe.

A divulgação de notícias relacionadas ao futebol feminino, além também de os chamados “minuto a minuto”, a cobertura em tempo real das partidas, são feitos pelas redes oficiais do clube. No entanto, é importante ressaltar que, se uma partida do futebol masculino acontece no mesmo horário de uma do futebol feminino, a cobertura do jogo do feminino não acontece. 

Outro fator que difere da modalidade masculina é a falta de informações oficiais do próprio elenco. No site oficial do Grêmio não consta o histórico do time, nem história do futebol feminino, e existem poucas informações sobre atletas e comissão técnica.

Temporada 2022

É na temporada atual que o Internacional prova que todo investimento dos últimos anos deu certo. Além dos números que demonstram a superioridade sobre o Grêmio no Brasileirão Feminino, a conquista da vaga inédita na final da competição e a classificação para a Libertadores Feminina 2023, coroa anos de trabalho em prol do crescimento da modalidade no clube.

Enquanto isso, o Grêmio teve seu pior desempenho desde o retorno à elite do futebol feminino brasileiro, quase ficando de fora do mata-mata da competição.

Os dados e o resultado desta disputa expõem o abismo entre as duas equipes. O Grêmio, como um dos grandes times do Brasil, precisa olhar com mais atenção e planejamento para dentro da modalidade do clube, que hoje abriga verdadeiras joias do futebol brasileiro, como Lorena, goleira titular da Seleção Feminina, e Rafa Levis, um dos destaques da Seleção Feminina Sub-20. Já o Internacional parece estar construindo um caminho mais assertivo para desenvolver e evoluir a modalidade.

O fato é que para que o futebol feminino no Rio Grande do Sul evolua, é ideal que as duas equipes invistam equiparadamente em um projeto que vise presente e futuro. E, por enquanto, neste GreNal, as Coloradas estão bem à frente das rivais.

Jornalista, gaúcha que tem uma relação de amor e ódio com o país RS. Gosta de futebol desde sempre e usa seu espacinho no mundo para defender que mulheres joguem, falem e façam o que quiserem dentro da modalidade. Assiste futebol, fala de futebol, escreve sobre futebol e não sabe nem chutar uma bola. Fala igual uma matraca longe de uma câmera, adora conversar e contar histórias.
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