A atleta Giovana Queiroz, que atualmente está emprestada ao Levante FC, divulgou por meio de suas redes sociais, uma carta aberta à presidência do clube FC Barcelona, denunciando as situações de assédio moral e violência psicológica a que foi submetida por um membro da direção, enquanto esteve no clube.
Segundo a denúncia, as agressões começaram logo que foi convocada pela Seleção Brasileira feminina pela primeira vez, em 2020. De acordo com a denúncia, a atleta viveu momentos de isolamento, suspensão arbitrária e humilhações frequentes.
Leia a carta na íntegra.
Estimado Presidente
Não foi fácil chegar a este ponto. Foram muitos meses de angústia e sofrimento. Apesar de tudo que eu tenho passado, hoje me sinto capaz de denunciar as condutas abusivas que sofri dentro do futebol feminino do FC Barcelona.
Espero que meu testemunho sirva também para que outras mulheres que sofrem ou sofreram algum tipo de abuso ou violência, rompam o silêncio, ergam a voz e denunciem seus agressores.
Não se pode aceitar nem tolerar a cultura do abuso e da violência machista contra as mulheres. A grande maioria dos agressores utilizam seu poder dentro das corporações para subjugar suas vítimas, incluindo as mais vulneráveis, como são as jovens menores de idade.
Nesta carta eu tentarei dar uma breve exposição das experiências que vivi. A denúncia com todos os detalhes, principais fundamentos e demais provas, foram enviadas a junta diretiva. Os responsáveis das condutas abusivas estão devidamente identificados.
Cheguei ao clube em julho de 2020, com apenas 17 anos. Fui muito bem recebida pelas jogadoras e comissão técnica. Minha motivação era máxima, e cheguei com muita vontade de aprender e crescer. Acreditava que com esforço, trabalho e dedicação, iria evoluir e ter minhas oportunidades.
Os primeiros meses no clube foram importantes no processo de adaptação. Estava em uma boa dinâmica, até que recebi a primeira convocação da Seleção Brasileira. A partir desse momento, comecei a receber um tratamento diferente dentro do clube.
Primeiro recebi orientações de que jogar com a Seleção Brasileira não seria o melhor para o meu futuro dentro do clube. Apesar do desagradável e persistente assédio moral, não dei muita importância e atenção ao assunto.
Com o tempo, as investidas começaram a acontecer através de outros mecanismos de pressão dentro e fora do clube. Estavam me encurralando de uma maneira abusiva para que eu renunciasse a defender a Seleção Brasileira. Utilizaram métodos arbitrários com o objetivo claro de prejudicar minha vida profissional dentro do clube (as provas são parte da denúncia).
Em fevereiro de 2021 fui submetida a um confinamento ilegal por parte da chefe dos serviços médicos do clube. Ela afirmou que seria um contato próximo de um caso positivo de Covid-19. Desde o princípio eu imaginava que os verdadeiros motivos do isolamento eram outros.
Como a ordem da médica era contrária ao protocolo sanitário, falei diretamente com o Departamento de Saúde da Catalunha e pedi esclarecimentos . A resposta foi clara e contundente: meu caso não podia ser considerado como contato próximo, segundo o protocolo sanitário vigente.
Ao questioná-la, ela respondeu. “Seu caso é diferente. Fui autorizada a indicar um isolamento especial para você.” Eu indignada, ainda perguntei: Como assim, especial? Ela evitou o assunto e nunca me respondeu (as provas são parte da denúncia).
Por fim, me isolaram ilegalmente e não pude sair de casa. Não podia treinar e nem ter uma rotina normal. Estava devastada. Essa arbitrariedade impediu também que eu não viajasse com a equipe na final da Copa da Rainha.
Depois de cumprir uma quarentena imposta, recebi a autorização da FIFA para me unir à Seleção Brasileira nos Estados Unidos, com pleno conhecimento do clube. Antes de viajar e durante o período de concentração, realizei vários testes PCR, sempre com resultado negativo.
Quando voltei ao Barcelona, me chamaram para uma reunião com o diretor do clube. Nessa reunião fui acusada de ter cometido uma indisciplina grave e que, por isso, seria afastada da equipe e sofreria graves consequências. Fiquei completamente em choque.
Me acusaram injustamente de ter descumprido o isolamento, de ter viajado sem autorização do clube e sem o consentimento das capitãs da equipe. Tentaram demonstrar que isso não era certo. Ele estava inflexível, bastante agressivo e em tom amenazante, me disse: “Não se preocupe, cuidaremos bem de você.”
Entrei em pânico. Temi por meu futuro. Tinha participado das campanhas da Fundação Barça para a aprovação da lei de proteção de menores contra a violência e, ao mesmo tempo, dentro do clube, eu estava totalmente desprotegida.
Voltei para casa completamente destruída. Chorei muitas vezes, senti um enorme vazio. Não tinha força para lutar por meus direitos.
A partir desse momento, minha vida mudou para sempre. Fui completamente exposta a situações humilhantes e vergonhosas durante meses dentro do clube. Estava claro que ele buscava destruir minha reputação, minar minha auto estima e degradar minhas condições laborais, menosprezar e subestimar minhas condições psicológicas.
O fato de ser menor de idade não parece ter sido um impedimento ou um dilema moral para meu agressor. Ele planejou e executou cada uma de suas incursões sem nenhuma objeção. Certamente atuou com a sensação de impunidade, e que contava com a proteção do seu cargo dentro do FC Barcelona.
Ao passar do tempo, o abuso e a violência psicológica, se tornaram mais intensos e destrutivos (as provas são parte da denúncia).
Os abusos nascem e se desenvolvem em situações de desequilíbrio de poder e em cenários que permitem tais práticas, enquanto silenciam e envergonham as vítimas. As mulheres merecem respeito e dignidade.
Se não houver um tratamento preventivo e uma orientação em relação às atividades tóxicas no ambiente de trabalho, dificilmente o cenário mudará. Essas condutas ainda existem por conta dos conceitos culturais e estruturais de uma sociedade patriarcal.
O cenário mudou, tanto em forma de pensar como de agir das empresas, para romper com padrões de séculos atrás, que já não podem continuar.
O FC Barcelona não é responsável direto pelas condutas abusivas denunciadas. O clube deve ser responsável por cuidar da integridade física, mental, psicológica e moral, frente a qualquer forma de violência,e stabelecendo uma proteção integral através da conscientização, prevenção, proteção e reparação do dano causado.
Minha vida pessoal e profissional foram imensamente afetadas por essas experiências profundamente desagradáveis e negativas. É provável que as lembranças, o trauma e seus efeitos, durem muitos anos. Eu vivi muitos meses de angústia e tristeza. algo inimaginável quando cheguei ao clube.
Hoje quero dar o primeiro passo para recuperar plenamente minha liberdade e estabilidade emocional e, por isso, decidi escrever essa carta aberta.
Espero que o FC Barcelona cumpra com seu papel institucional e atue de maneira contundente e transparente, investigando e denunciando os possíveis delitos as autoridades competentes.
Também desejo que o clube, através do seu presidente, se comprometa a implementar medidas efetivas para combater o problema evidente e bem documentado de abuso moral, o assédio no trabalho e a violência psicológica contra as mulheres.
Por último, quero expressar meu profundo agradecimento a todas as pessoas que tem me ajudado e apoiado nos momentos mais difíceis da minha vida.
Atenciosamente,
Giovana Queiroz Costa
Resposta do Clube
Em resposta ao repórter Marcelo Bechler, da TNT, um membro do Compliance do Barcelona disse que investigou as informações denunciadas pela atleta e deu razão ao clube, que teria afirmado que a jogadora manteve-se em isolamento após manter contato próximo a uma pessoa positivada por Covid-19, um protocolo utilizado em todas as atletas.
Além disso, o clube também alegou que a viagem da Giovana com a Seleção Brasileira teria sido feita sem o conhecimento do Barcelona, atestando uma falta grave.
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