Ludmila ecoa a voz anti-racismo: “Nós não vamos mais ficar quietos! Demos o primeiro passo.”

A  luta contra o racismo e o preconceito contra a mulher no esporte, são bandeiras fortalecidas pela atacante do Atlético de Madrid.

Por Beatriz tenório

As últimas semanas foram marcadas por protestos anti-racistas em diversos países, após George Floyd, homem negro, ser assassinado por um policial branco nos Estados Unidos. A hashtag “#blacklivesmatter” ganhou força nas redes sociais do mundo todo, gerando grande repercussão e apoio a causa anti-racismo, e, no dia 2 de junho, em solidariedade ao movimento, aconteceu no Instagram um protesto em escala mundial contra o racismo, em que mais de 6 milhões de usuários publicaram uma imagem totalmente preta em seus feeds, com a hashtag “#blackouttuesday”, e depois se isentavam de realizar qualquer post nas mídias sociais até o dia seguinte.

No Brasil o racismo infelizmente não é uma novidade. Ainda que o país tenha uma população de maioria negra, a desigualdade entre negros e brancos está presente no dia a dia e nas estatísticas. O Atlas da Violência de 2018, revelou que 71% dos homicídios que ocorrem no país, são de pessoas Negras. Quem conhece bem essa desigualdade é a camisa 8 do Atlético de Madrid, e atacante da Seleção Brasileira, Ludmila da Silva, que concedeu entrevista exclusiva ao Fut das Minas falando sobre o racismo e a importância dos movimentos de luta.

Ludmila foi a primeira brasileira a ser contratada pelo clube espanhol, mas isso não a impediu de vivenciar situações de racismo na cidade em que defendia dentro de campo.  Em 2019 ela denunciou o racismo frequente a qual era sujeita em um supermercado em Madrid, na Espanha. No vídeo publicado nos stories de seu Instagram, a atleta mostra um segurança passando atrás dela em um supermercado, e diz. “É sempre a mesma coisa. Sempre que eu entro no mercado tem um segurança pra me vigiar. Não é brincadeira, não. Não é só no Brasil, não. Eu mal piso no mercado e já tem um atrás de mim”.

Na época, o episódio narrado por Ludmila repercutiu bastante no meio esportivo, e fez com que muitos refletissem sobre o racismo velado em locais públicos e privados. Ludmila também comentou sobre a importância dos movimentos que combatem a discriminação por causa da cor. Para ela, essa é uma luta que está longe do fim.  “A luta só começou, ainda temos que passar por muita coisa, brigar por muita coisa, por nossa cor. A gente vê que tem gente que não aceita, diz que é mentira, que é “mimimi”. Mesmo tendo todas as provas, mesmo que esteja a mostra que existe, sim, muito preconceito, parece ser pouco para algumas pessoas, sabe? Mas a luta continua, e isso é bom. Nós não vamos mais ficar quietos! Demos o primeiro passo.”

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Foto: reprodução redes sociais | Ludmila

A craque madrileña ainda complementou dizendo que acredita que a forma de lutar também mudou. Segundo ela, agora os movimentos devem ser mais contínuos. “Nós vamos ter que continuar lutando. Mas agora não serão mais momentos, coisas que acontecem, em que reclamam um pouco, e acabou. Agora, qualquer coisa que passar, vamos lutar até o final para ter justiça. […] A gente sabe que o racismo não vai acabar logo, vai demorar muito pra acabar, porque foi construído por muitos anos

Após os recentes episódios de protestos em grandes centros populares do mundo, diferentes povos, independente da cor de pele, crença, religião e nacionalidade, reuniram-se em luta pelo anti-racismo. Para a atleta, esse é um grande diferencial para vencer qualquer preconceito. Mas ela alerta que o “barulho pelo barulho” das redes sociais, não fortalece a luta. “Nós precisamos, sim, da ajuda de negros, brancos, de todo mundo. Com cada um ajudando no que puder, as coisas vão melhorando sim. Isso é importante. Nos Estados Unidos, as pessoas brancas estavam até ajoelhando, lutando, brigando, fazendo sinais em prol dos negros. Mas sempre vemos pessoas que só postam contra o racismo, mas não se impõem, não mostram realmente estar lutando contra o racismo. E pro povo branco fazer isso, terão de ser muito fortes também. (sic)”

Atualmente, a internet e toda a tecnologia disponível, permitem que a busca por conhecimento sobre diversos assuntos e causas se torne cada vez mais acessíveis e, com um pouco de empenho, é possível entender  mais a respeito de problemas como o racismo. A busca por estudar e entender a causa é fundamental para combater o problema.  Ludmila defende que, se todos buscarem se informar – e se adaptar para não só combater atos físicos ou verbais de racismo com outra pessoa, mas entender a dor do próximo, e se moldar para retirar do seu cotidiano palavras, termos, ou quaisquer referências racistas – poderemos combater o racismo de forma mais efetiva:

O privilégio branco a gente vê todos os dias, e muitas vezes nem percebe. É aquela coisa: pra você falar algo do povo negro, pro povo negro, pra defender, você precisa estudar muita coisa, saber muita coisa, saber a história, tudo isso. E quando as pessoas procuram saber isso, elas entendem um pouco do que a gente passa, do que a gente sente, e então vão poder realmente falar o que pensam, imaginam e veem. É sempre bom as pessoas estudarem sobre o povo negro. Já pensou postar algo ofensivo sem nem saber? Querendo ou não, a gente se dói muito, e acaba pegando no pé da pessoa.”

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Foto: Site FIFA

Dentro do futebol, episódios de ofensa seja pelas redes sociais ou até mesmo em gritos de torcida, também tem acontecido de forma frequente. Uma pesquisa realizada pelo Globo Esporte em 2019, em que foram entrevistados jogadores e treinadores negros de 60 times das séries A, B, e C, mostra a realidade de que 48,1% dos entrevistados afirmam ter sido vítimas do racismo no futebol masculino, esporte que, de acordo com o Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, é palco de 90% dos casos de racismo no esporte. O futebol feminino também não escapa dessa realidade. Como exemplo, temos o caso da jogadora francesa Wendie Renard, que mesmo sendo considerada uma das melhores jogadoras de futebol do mundo, sofreu racismo durante a Copa do Mundo em 2019. A atleta foi atacada por torcedores brasileiros, que distribuíram ofensas e comentários maldosos nas redes sociais referindo-se ao seu cabelo.

Além do racismo

O Racismo não é o único tipo de preconceito que a Ludmila precisa enfrentar no dia a dia. Além dele, também está presente a desigualdade entre gêneros no futebol, e o machismo estrutural que vai de cabeça contra a modalidade. O futebol é considerado o esporte mais popular do mundo.  Mas este ao qual se referem, é, na verdade, o masculino.  No Brasil, que é conhecido como o “País do Futebol”, a prática do futebol feminino já foi até proíbida por lei. Hoje em dia, por mais que a modalidade feminina não seja mais “crime”, sofre com a falta de visibilidade causada pelo preconceito e desinteresse. Em 2019, com a Copa do Mundo de futebol femino, houve um pequeno aumento na divulgação e visibilidade dessa modalidade.

A craque da seleção brasileira, que viveu bem esse momento, teme que todo o progresso anunciado na copa possa cair no esquecimento. “Acho que são momentos. Na Copa do Mundo chamou bastante atenção, foi maravilhoso, foi uma coisa mágica. Só que acabou, e esqueceram, sabe? As pessoas não falam mais. Mesmo que não tenhamos sido campeãs, acho que tem que continuar falando do futebol feminino, independente de seleção e Copa do Mundo. Precisa passar mais na televisão, ser mais falado. O futebol feminino está no Brasil, mas poucas pessoas conhecem mesmo as jogadoras. Só conhecem a Cristiane, que tá no Brasil, Marta. Mas tem muitas meninas boas que precisam ser reconhecidas.”

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Ludmila recebendo prêmio de melhor jogadora Iberoamericana em 2019. Foto: Reprodução redes sociais | Ludmila

 Essa desigualdade e invisibilidade do Futebol Feminino não é propriedade brasileira. Atletas do mundo inteiro sentem na pele as diferenças salariais e de tratamento dentro do futebol. Jogando na Espanha já há algum tempo, Ludmila também comenta sobre essa diferença entre os dois países.  “O preconceito nós vemos muito. Tem cara que não aceita, diz que mulher não tem que jogar, tem que ficar na cozinha, lavando uma louça, essas coisas. Mas graças a Deus estamos lutando contra isso, e até hoje ninguém parou, por conta desse preconceito. Lá fora dá pra ver muito a diferença, sempre passam os jogos, sempre falam, sempre mostram as jogadoras. Na minha opinião, lá está muito mais avançado que o Brasil. O Brasil tá chegando, mas lá está mais avançado.”

Ao fim de nossa entrevista, Ludmila deixou uma mensagem para as meninas que sonham em ser jogadoras de futebol:

Pras meninas que estão começando, meu conselho é que nunca desistam dos seus sonhos. A gente sabe que no futebol feminino, por sermos mulheres, as coisas são muito difíceis. Mas com a luta, tudo fica mais fácil. Então que nunca desistam de seus sonhos, e lutem sempre. É o que eu sempre escutei, e acho que é algo que todos temos que levar.”

 

Jornalista e Profissional de Educação Física. Pernambucana, bairrista por natureza, vivendo a máxima Gonzaguista: “Minha vida é andar por esse país”. Apaixonada por futebol desde que respira. Atualmente vive em São Paulo, e tem como sonho ajudar a conduzir o futebol feminino ao topo. Fora das quatro linhas, gosta de ler, pedalar, explorar a natureza e é obcecada pela ideia de estar sempre criando algo novo.
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