De torcedor a narrador, pai de atleta viraliza ao transmitir jogos do Brasileirão Feminino Sub-17: “Falta reconhecimento”

O Campeonato Brasileiro Sub-17 iniciou nesta quarta-feira (20) a fase semifinal ainda sem transmissão oficial. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) informou que não fará a transmissão dos jogos, deixando a cargo dos clubes que, até o momento, não confirmaram a exibição das partidas.  

Nesse cenário de regressão no que diz respeito à visibilidade da modalidade no Brasil, um personagem chamou a atenção. Vilson Mayrink, agora conhecido como “Pai da Nanda”, se tornou os olhos e a voz da competição, realizando, por conta própria, transmissões de diversos jogos da fase de grupos, incluindo os do São Paulo, onde a sua filha Fernanda Mayrink atua como goleira. 

Pai, torcedor e narrador 

Quando Vilson saiu de Belo Horizonte com a sua esposa, tinha apenas o objetivo de acompanhar a trajetória da sua filha na competição, como já haviam feito em outros momentos. 

Porém, ao saber da ausência de transmissão no Brasileiro Sub-17, a história tomou outro rumo. “Chegando lá no estádio, eu já sabia que não teria transmissão, mas não imaginava que não teria nada”, conta Vilson que, ao perceber a situação, decidiu fazer algo. “Com o Instagram ali, né? As redes sociais, eu comentei com a minha esposa ‘acho que vou fazer a transmissão’. Foi uma ideia mesmo. Uma luz. Surgiu do nada”, revela Vilson, que é comerciante. 

Todo o esforço do pai da Nanda para iniciar as transmissões, foi motivado pela preocupação para que outros pais e familiares, que não estavam presentes, pudessem acompanhar suas filhas na competição. “Às vezes a voz faltava, mas a gente tentava narrar da melhor forma, passar aquele calor humano que estava sentindo naquele momento e fazer com que os pais pudessem ter um pouquinho mais de acesso, e também chegar na casa deles para que eles vissem as barreiras que as filhas estavam rompendo”, declarou. 

E o esforço deu certo! Após o início das exibições das partidas, ele passou a receber comentários do Instagram de familiares de atletas que estavam em campo. 

Print Instagram Vilson Mayrink

As primeiras transmissões 

O primeiro jogo que Vilson transmitiu foi a partida entre Santos e Esmac-PA, que aconteceu na última sexta-feira (15). Quando viu que a primeira transmissão viralizou e havia pedidos para outros jogos, ele decidiu continuar. 

“Quando eu comecei, vieram me pedir (para gravar outras partidas). Você grava o jogo do Minas Brasília? Transmite pra gente o jogo do Santos. Aí o pessoal começou a falar uns com os outros e viralizou. Foi quando eu pensei: ‘agora, virou um compromisso. Agora eu tenho que levantar cedo e ir lá pra ver.”

O que chamou atenção nas transmissões, é que não se tratava simplesmente de mostrar imagens do jogo, Vilson também trazia informações das jogadoras e da partida em si. Para isso, ele fazia um verdadeiro trabalho de apuração. “Eu não tinha acesso à escalação, fiquei “mendigando” a escalação das meninas lá. Aí consegui com um jornalista de um site que tinha a escalação e também me deu várias outras informações”, contou. 

Outro obstáculo que o Vilson encontrou foi para descansar entre um jogo e outro, já que ele era o único que transmitia as partidas. “Eu corria pra ir ao banheiro, almoçar ou pegar uma escalação. Mas, justamente pensando na diferença que tô fazendo pra vida de mais uma menininha em campo, que vai tá feliz em ver um lance dela. Olha que legal! Eu ficaria muito feliz se estivesse acontecendo com a minha filha, disse. 

Vilson acompanhando filha em jogos quando mais nova | Reprodução redes socias

A correria para estar presente na maioria dos jogos e, assim, fazer as transmissões, alçou o Vilson à fama nas redes sociais. Ele virou um dos assuntos mais comentados entre os que acompanham o futebol feminino e viu a popularidade crescer. “Eu já virei o pai da Nanda, então acabou (risos). É o pai da Nanda, a mãe da Nanda e o irmão da Nanda (tsc).” 

Entre o quase heroísmo de, sozinho, proporcionar que outras pessoas acompanhassem a competição, Vilson se surpreendeu com a falta de divulgação do torneio. “Achei estranho que a prefeitura não comunicou que teria o campeonato. Ninguém da cidade sabia. A gente ficou hospedado lá, arrumamos um local barato para ficar e ninguém estava sabendo”, conta. 

Apesar de elogiar o estádio e ressaltar que estava bem preparado para receber os jogos, ele também lamentou a postura da CBF em não enviar uma equipe para fazer a transmissão das partidas. 

A CBF faz muito bem o papel dela, mas a gente tem todo cuidado em levar a informação […]  Eu acho que por trás da CBF tem pessoas. Toda instituição é constituída por pessoas e eu acho uma falta de humanidade, porque dinheiro tem! Condição de fazer tem e muita, né? Mas falta reconhecimento e humanidade. Quando eu vi que isso estava acontecendo, eu me senti na obrigação de levar isso (as transmissões) até o fim.”

Sempre presente

Apesar de ver sua presença destacada no Brasileiro Sub-17, o torneio não foi nem de longe a primeira vez que o “Pai da Nanda” viajou para acompanhar a filha. Tanto ele como a mãe e o irmão, sempre estiveram presentes nos jogos e torneios em que a filha participava. 

Família da Nanda reunida para acompanhá-la na competição. | Arquivo Pessoal

A trajetória da Fernanda Mayrink no futebol, não foi diferente da de outras atletas. Começou a jogar com o irmão aos seis anos e, aos oito, conseguiu ingressar em uma escolinha da cidade, onde jogava com outros meninos. 

Logo depois que entrou ela já teve a atenção do treinador da equipe, que chamou o Vilson para uma conversa. “Ele chegou pra mim e falou que a Fernanda estava surpreendendo muita gente, por ter muita habilidade no gol. E a história dela no gol é que o irmão dela colocava ela no gol para ele ficar chutando e ela defendendo. E assim ela foi gostando”, explica. 

Após ganhar oportunidade em escolinhas, a Nanda foi migrando para outras equipes e participando de campeonatos. Mas, também, uma vez foi impedida de defender o seu time em uma competição, pelo simples fato de ser menina. “Ela foi no campeonato na época e lá ela não jogou por respeito aos meninos. Isso traz também a ética para o futebol, sempre pensando nisso também em não prejudicar ninguém. Para não prejudicar, ela acabou ficando na reserva”, relembra. 

Da escolinha à base paulista

Apesar de tantas dificuldades, Nanda conseguiu participar de peneiras e ser selecionada para jogar inicialmente no Corinthians, porém, pela pandemia ter afetado a rotina e dinâmica de muitas equipes, o destino da goleira mudou de endereço e acabou no São Paulo, onde está atualmente 

“O São Paulo estava conversando com a gente e, naquele momento, as condições que o São Paulo oferecia eram mais favoráveis para que a Fernanda fosse para lá. Vários outros clubes também entraram em contato com ela, ao saberem que o contrato dela estava vencendo.”

Fernanda comemorando título no Corinthians | Reprodução redes sociais

Apesar de nova, Fernanda já tem um currículo campeão. Teve passagens pelo Atlético-MG, onde conquistou o título estadual. Foi campeã do Brasileiro Sub-16 e vice do Sub-18 com o Corinthians, e agora busca também um título no novo clube. 

Para Vilson, apesar das dificuldades, o apoio da família foi essencial para construir a trajetória da filha. “A gente vê que já é difícil para eles com o apoio da família, imagine o que passa uma menina que sonha em chegar em algum lugar sem a família?”, ressaltou. 

Ainda sobre a importância de acompanhar a filha nas competições, o “Pai da Nanda” destacou que, tanto em relação à filha quanto às outras meninas, o mais importante é estar presente e estimular. “É por esse sentimento de amor, carinho, de paixão de ver tanta entrega. Os olhos da gente enchem de água quando a gente vê uma menina que está querendo se sobressair e que não tem apoio nenhum, não tem ninguém para puxar”.

Jornalista e Profissional de Educação Física. Pernambucana, bairrista por natureza, vivendo a máxima Gonzaguista: “Minha vida é andar por esse país”. Apaixonada por futebol desde que respira. Atualmente vive em São Paulo, e tem como sonho ajudar a conduzir o futebol feminino ao topo. Fora das quatro linhas, gosta de ler, pedalar, explorar a natureza e é obcecada pela ideia de estar sempre criando algo novo.
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